Carta, datada de 20 de Março de 1961, de Sophia Mello
Breyner Andresen, para Jorge de Sena:
Muito obrigada pela
Poesia e pelas Andanças do
Demónio. A sua poesia reunida vê-se
melhor. O livro deu-me uma extraordinária impressão de grandeza. Uma grandeza
que é estilo, precisão, exactidão, força, construção e mais ainda testemunho,
olhar olhando de frente, inteireza, coragem.
Na Perseguição que você
me mandou em 1943 estão sublinhados dois versos do «Andante»:
«Soube-me sempre a destino a
minha vida»
e
«As crianças nascem com uma
coragem que perdem»
Este último verso
está no centro da sua poesia. Em toda ela há como que o testemunho de que o
poeta é o homem que não perde a coragem com a qual nasceu.
Li o seu livro com
um misto de entusiasmo e aguda tristeza: entusiasmo porque o livro é maravilhoso,
tristeza porque mais ainda vejo e penso como aqui quase todos e quase tudo o
não mereceram. Esteve aqui há dias a Menez que tinha comprado o seu livro e
estava maravilhada. Ela pediu-me que lhe dissesse isto.
Mesmo as pessoas
que como ela e como eu já conheciam bem a sua poesia o livro é surpreendente.
Tudo cresceu e tomou a sua imagem completa. A sua poesia reunida aparece com
uma densidade sem repetição e sem desfalecimento, numa unidade construída ponto
contra ponto desde a primeira até à última palavra.
Que esta unidade
tenha sido vivida e «existida» é o que me maravilha. Há no livro um espantoso
«fazer face» que é o testemunho dum mundo onde a poesia foi a única liberdade e
onde o poeta foi chamado a assumir todo o seu destino.
Mandei o seu livro
à Maria Helena Vieira da Silva, porque ela o admira muito e é uma das pessoas
que eu penso que entenderá toda a grandeza desta Poesia – I.
Legenda: capa de Poesia
I é tirada de Frenesi Loja
Sem comentários:
Enviar um comentário