sexta-feira, 3 de agosto de 2018

GUERRILHEIRO VELHO NÃO ABANDONA AS ARMAS


Chegámos ao fim das cartas que Mário-Henrique Leiria escreveu a Isabel, a Maruska bonita, o seu mais profundo e silencioso amor, ele que tantos teve.
Este livro, Depoimentos Escritos, é um livro notável.
Os lampejos que, desde Julho do ano passado, por aqui fui deixando não reflectem a ternura, a raiva, a ironia, a maldade nas palavras que dirigia à mãe e à tia, as suas «velhas», o apuramento da memória que a solidão sempre lhe trouxe.
Conheci Mário-Henrique Leiria, antes do 25 de Abril na redacção do jornal República.
E nunca mais fui o mesmo!
É provável que a E-Primatur, que está a publicar a obra completa de Mário-Henrique, inclua estas cartas que constam de Depoimentos Escritos.
Já estão publicados dois volumes e são livros que aconselho vivamente.
Por favor, dêem algum desconto à admiração desmedida que tenho por este rapaz amante de gin, mas leiam.

Amor perdido

O teu ABC fez-me chorar de raiva. Para descontrair os nervos grilados por não te poder bater e beijar ao mesmo tempo, por apenas imaginar os “netos/netas” para quem escreveste o teu magnífico ABC bebi o resto da vodka enquanto o Vodka me lambia s mãos tão doridas, meu amor, tão doridas. Já não posso escrever senão na máquina que o teu bom coração me mandou.
Mas diz-me Isabelinha que estavas a fazer escrevendo poemas às 6 da manhã? Devias estar na cama com o teu marido – desculpa já me esquecia que na tua deliciosa frase não há “comunhão de camas”…
Gaita! Mas espera guerrilheiro velho não abandona as armas… e então pensei responder ao teu poema com um não meu, não estou com veia, mas electrónico!!! Eu sei… tu, a clássica vais ficar arrepiada e empandeirada de fúria. Melhor, ficas mais bonita para a filhada e o marido. Fui a casa de um amigo depois da tosga ter aclareado e ele tem um computador americano e com ou dois dedos que não me doíam comecei a escrever e aí vai o resultado. Desculpa a papelada mas sei que tens a mania de colecionar papéis e outras antiguidades. Não faz sombra ao teu ABC mas foi tudo o que se conseguiu numa noite e mais uma manhã de criação electrónica. Valha-me Deus e que ele te acompanhe, na árdua tarefa de me leres.
A saúde não dá, não dá mesmo embora tu e o teu Pai façam tudo por me manterem medicado. Se pudesse ia à bruxa… mas aqui, não há a Inquisição, masi a PIDE, mais o 25 da abrilada matou tudo…
Não te preocupes… ainda tenho o telefone se não puder mesmo a arrastar a caneta.
O meu enorme amor de sempre vai para ti, meu Amor, com um beijão à meninada e um abraço ao camarada John

Mário-Henrique


Legenda: Mário-Henrique Leiria com Natália Correia, Cruzeiro Seixas, Mário Cesariny de Vasconcelos

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