PEQUENA ELEGIA A
FREDERICO GARCIA
(Para viola,
pífaro e pandeireta)
a lua desenha o céu
feita de papel de prata
a lua acende a planície
feita de papel de prata
cá em baixo berram tiros
no cavalgar de espingardas
uniformes cor de chumbo
caras como caveiras
ai camponês camponês
que não sabes o que és
a lua ri lá no alto
feita de papel de prata
ai cigano traficante
vendes bandeiras e pano
vendes relógio e G3
e G3 avariada
ai cigano ai cigano
ai cigano português
ai camponês tu também
dessas planícies largas
a lua está a mirar-te
sempre em papel de prata
pede a G3 ao cigano
mesmo que seja de pano
e que esteja avariada
camponês ai camponês
a lua já te não mira
a planície é do sol
como um cavalo no mar
a planície que é tua
mais bonita que a lua
ai camponês camponês
que já não sabes o que és
a lua deixou a prata
de papel e fugiu
e os guardas republicanos
vão prá puta
que os pariu
todos
nós somos…
nós somos inúmeros
desconhecidos
feitos de revoltas e de lutas
nós somos inúmeros
feitos de sangue e de combates
nós somos todos os de nome ignorado
feitos de força e de amor
somos aqueles que
de Ocidente a Oriente
olham o sol bem de frente
e acreditam nas estrelas
somos os que caem a sorrir
que morrem a cantar
folhas ignoradas duma árvore
que ao tombar
verticais belas
vêm fecundar a raiz
de outras árvores por nascer
aquecer a terra
onde nascerão papoilas vermelhas
que serão colhidas por crianças sorridentes
nós somos os que caminham
de olhos bem abertos virados à manhã
canções nos lábios
nós somos inúmeros
desconhecidos…
Mário-Henrique
Leiria em Depoimentos Escritos
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