quinta-feira, 23 de agosto de 2018

QUE ME DEIXOU UM POUCO PERPLEXO


Em Amsterdão, Outubro de 1970, António José Saraiva escreve a Óscar Lopes e a dado ponto anda às bicadas ao neo-realismo português:

Provisoriamente a minha conclusão (ainda há autores para ler ou reler) é esta. À excepção do Manuel Alegre (e do O’Neill, se teimarmos em o considerar neo-realista, o que me parece impróprio) não há um ínico grande escritor neo-realista, não há sobretudo um único grande criador literário que tenha inventado alguma coisa de novo em Literatura. Em prosa não há ninguém comparável ao Aquilino, à Agustina, ou mesmo ao Miguéis, ou mesmo ao Torga, ou mesmo à Irene Lisboa, que, sem ser propriamente uma águia, inventou uma maneira nova de fazer prosa. O que não quer dizer que não haja entre eles alguns bons poetas e prosadores: O Manuel da Fonseca, o Mário Dionísio, o Cardoso Pires, o Namora por exemplo (excluo o Carlos de Oliveira, que li agora pela primeira vez, e que me pareceu profundamente inautêntico, a não ser na amargura envenenada). Parece-me que a teoria estética neo-realista não tem culpa disto, porque quando um autor tem génio não há teorias que o limitem.
E não há só uma invenção. Há talvez até recuo em relação a aquisições já feitas. Há um classicismo inquietante no Manuel da Fonseca, Mário Dionísio, etc. (sem falar na simples ignorância do ofício do redol e outros.
(…)
Para resumir, para o conhecimento do nosso povo rural os neo-realistas nada acrescentaram ao Camilo e ao Aquilino; para o conhecimento da nossa burguesia citadina, nada acrescentaram ao Eça e ao Teixeira de Queiroz, e ficam muito abaixo do Paço d’Arcos.
Há a excepção do Ferreira de Castro, que me deixa um pouco perplexo. Ele não sabe escrever, tem diálogos horrorosos e é muito provável que a obra dele caia no esquecimento por lhe faltar a factura artística que dá perdurabilidade a uma obra. Mas abriu horizontes, chamou à literatura outra temática, e por esse lado tem um grande papel histórico. Mas tenho o palpite que, à excepção do Redol e do Soeiro, os neo-realistas voltaram a fechar o horizonte.


Legenda: Ferreira de Castro

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