Stromboli é o
primeiro de seis filmes que Roberto Rossellini realizou com Ingrid Bergman, «a história de uma pecadora tocada pela graça,
do dizer de Eric Rohmer:
«Deus! Oh! Meu Deus! Ajuda-me! Dá-me força,
a compreensão e a coragem».
Conta-se que fez o filme sem ter um guião e
apenas um bloco-notas com algumas ideias. Aconteceu um dos mais extraordinários
filmes da história do cinema.
Robert Altman
também era avesso a guiões. Quando lhe perguntaram para que é que serve um
guião ele respondeu: «para saber se há cavalos ou não».
Em Novembro
de 1973 a Fundação Calouste Gulbenkian organizou uma retrospectiva da obra de
Roberto Rossellini. A ditadura marcelista estava já no seu estertor e o
acontecimento faz parte da memória de cinéfilos e anti-fascistas.
O ciclo
começou no Grande Auditório, às 21,30 Horas, com «Roma Cidade Aberta».
Diz quem viu
que foi das manifestações mais extraordinárias que por aqui aconteceram.
Estou neste
momento a olhar para a página de publicidade paga da retrospectiva, publicada
em «O Cinéfilo» de 15 de Novembro de 1973 o onde se pode ler, para além
dos filmes a exibir, indicações como programas sujeitos a alteração, o calendário
da Bilheteira: Assinantes dia 13, Início da venda avulso dia 15, assinaturas
para os 27 espectáculos 200$00, bilhetes para cada espectáculo 10$00» e ainda a
classificação determinada pela censura: Grupo D (Maiores de 18 anos).
Os bilhetes,
as assinaturas, tudo, voaram em escassas horas.
Antes de cada
sessão, à porta da Gulbenkian, aglomeravam-se dezenas e dezenas de espectadores
na vã esperança de um qualquer milagre de alguém que aparecesse a vender um
bilhete.
Foi depois de
ter visto dois filmes de Rossellini, que Ingrid se determinou que tinha de
fazer um filme com o realizador, e escreveu-lhe:
«Vi os seus filmes “Roma Cittá Aperta” e
“Paisá”, de que gostei muito. Caso precise de uma actriz sueca que fala muito
bem inglês, que não esqueceu a língua alemã, que não é fluente em francês e que
em italiano só sabe dizer “Ti amo” estou pronta a fazer um filme consigo.»
Rossellini
nunca tinha ouvido falar de Ingrid Bergman mas escreveu-lhe a dizer que quando
entendesse poderia aparecer por Itália.
A actriz logo
que ficou livre dos compromissos que tinha entre mãos, voou para Itália e
apalavraram fazer um filme em tempo oportuno.
Na altura
Roberto Rossellini vivia com Anna Magnani.
Conta a lenda
que quando Magnani soube, num restaurante, que Ingrid iria chegar para fazer um
filme com Rossellini, perguntou-lhe como era. Rossellini começou a entaramelar
a língua e Anna Magnani não pensou duas vezes e espetou-lhe com uma travessa de
esparguete na cara.
O cinema tem
alguns casos de paixões entre realizadores e actrizes, entre actores e actrizes
e que deram momentos inolvidáveis e únicos de grande cinema. São os chamados
estados de graça. Para além deste que tenho vindo a falar, lembro-me de Vincente
Minnelli e Judy Garland em «Meet me
in St. Louis» e Lauren Bacall e Humphrey Bogart em «Ter e Não
Ter», quando Bacall aparece a Bogart e lhe diz, «se quiser alguma coisa,
basta assobiar», explicando-lhe depois como o fazer e deixando, para a
posteridade uma das sequências mais sensuais da história do cinema.
Também os
casos de Antonioni e Minica Vitti, Jean-Luc Godard e Anna Karina, Ingmar
Bergamnn e Liv Ulmann ou Bibi Anderson.
Com outros contornos e fora da esfera do
cinema, em português temos algo parecido.
Depois de ler
«Memorial do Convento» e «O Ano da Morte de Ricardo Reis», a jornalista
espanhola Maria del Pilar ficou como que encantada.
«Senti que tinha de agradecer ao autor
os livros que me tinha dado a ler. E sobretudo dizer que tinha tratado os seus
leitores como seres inteligentes. Tinha-me sentido respeitada como leitora e
quis agradecer-lhe.»
Tal como na
sinfonia de Beethoven, Pilar terá sentido o destino a bater-lhe à porta.
Veio até
Lisboa e conseguiu uma conversa com Saramago.
Sabe-se o que veio a acontecer.
Desde então
os livros de José Saramago deixaram de ser dedicados à Isabel para passarem a
ser dedicados a Pilar.
Como se lê em
«As Pequenas Memórias»:
«A
Pilar, que ainda não havia nascido e tanto tardou a chegar.»
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