domingo, 19 de agosto de 2018

OLHAR AS CAPAS



Ódio e Amor

António Botto
Edições Ática, Lisboa, Março de 1947

No Tejo

Depois da faina, o navio -
Já lá vai pelo mar fora!
A faina foi dura e a carga
Foi tanta que o
alcatrate
Quase que ficou rez-vez;
Tinham que olhar com cuidado
Aonde se punha os pés!

Mas tudo se fez e em bem!

O peor foi a noite perdida
Sempre a mexer e a trabalhar
Para o navio largar
Ao romper da madrugada!
Noite fria de Novembro
Em que as estrelas tristes lá no céu
Pareciam distantes e perdidas
De tudo a que elas dão amparo e guia!

Parecia que a noite era infinita
Que não deixava
Nascer o dia!
Ninguém dormiu. O camarada,
O arrais, o moço - e ao porão,
Uma contra-mestre aloirado,
Tipo nórdico a fumar,
Continuamente, cachimbo,
Ia dizendo a uns dois
Que arrumassem com cuidado
A carga que ia descendo...
O barulho dos guindastes
Raspava na pele impulsos
Que davam tosse e mau-estar
E como de um gigante que dormisse
Ouvia-se a respiração do mar!

Mas com a luz do Sol, oiro e alegria!
Passam, agora, lentos e lavados
- Só a vela de estaia vai erguida!
Os barcos com os mastros levantados
A caminho das docas onde ficam
À espera de outras sáfaras iguais!

Uma mulher dá de mamar ao filho
Ali sentada a um canto sobre o cais!

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