Cavaleiro Andante
Almeida Faria
Ilustração de Mário Botas
Capa: Armando Alves
Imprensa Nacional/Casa da Moeda, Lisboa,
Maio de 1983
Quanto à actual
paisagem, desde a minha última carta não sofreu alteração visível. O congresso
de escritores decorreu, segundo li, com aquele espírito de imitação que caracteriza
a nata deste país, o primeiro-ministro dando a bênção aos escreventes e
escritas comodamente transformados em bem comportados meninos de escola,
protegidos pelo novo pai da pátria, muito contentinhos por terem a aprovação
benevolente dos públicos poderes, um prosador de péssima qualidade ameaçou de
fuzilamento uma poetisa socialista infinitamente melhor que ele mas menos
dogmática. Esquecem essas aves da
classe escritural os bons resultados do paternalismo, ou procuram nele um lugar
que a concorrência lhes não dará? Iguais às rãs que querem um rei pernalta, tão
depressa cansados do estado democrático, têm saudades de um grou ou guru
pré-fabricado? Aqui onde os políticos nunca se preocuparam com cultura, onde
para ser ministro convém ser analfabeto ou andar lá perto, os nossos literatos,
alguns plásticos e uns poucos musicistas decidiram ficar de cócoras à espera do
que der e vier, outros andam numa de sarabanda freada ao tacho vago pela
facilidade com que um fulano é saneado. Num ano houve cinco governos, as
pessoas passam o dia a ler jornais, ouvir rádio, ver TV para entenderem
notícias às vezes verdadeiras, alarmes às vezes falsos, histórias de armas
roubadas, golpes militares, cartas abertas e fechadas, prisões, demissões,
ameaças várias. Revoluções são assim, quem não gosta vá embora. Revoluções são
assim, quem não gosta vá embora.
Da carta, datada de 3
de Junho de 1975, de JC a Marta.
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