quinta-feira, 30 de agosto de 2018

OLHAR AS CAPAS


Alcateia

Carlos de Oliveira
Capa: Vitor Palla
Colecção Novos Prosadores nº 7
Coimbra Editora, Coimbra, Outubro de 1944

A sua voz baixa mal quebrou o silêncio, aquêle silêncio que nascia da terra, dos covais, da coruja perdida, que vestia a altura imóvel dos ciprestes e a sua sombra longa enregelando o chão dos mortos. A mesma ideo avassalava a cabeça de Venâncio. Na perdição em que estava a tombar a sua vida [Venâncio], via-se agora como nunca, para lá do vinho que o turvava, desgraçado e só. Capula ajudara-o a mergulhar mais no abismo, tinha que se vingar de Capula. Mesmo morto, sentia-o ainda a pesar no seu destino. Não podia perdoar. E a ideia súbita que tivera continuava a avolumar-se mais e mais. Não podia, que nunca lhe haviam perdoado de si. Querendo vingar-se de Capula, Venâncio nem pensava que se queria vingar afinal da vida, de tudo, da gente que lhe dera apenas fome e desprezo. Que não era Capula que pesava no seu destino: eram èsses, um formigueiro de homens entre escombros dum mundo velho, apunhalando-se pra subsistir, cada um esmagando, antes que os outros o esmagassem. O doutor Carmo, Cosme Sapo, tantos! Êsses, que verdadeiramente talhavam a sua sina.

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