António Lobo Antunes
em Os Cus de Judas:
«As senhoras do Movimento Nacional Feminino vinham por vezes distrair os visons da menopausa distribuindo medalhas da Senhora de Fátima e porta-chaves com a efígie de Salazar, acompanhadas de padres-nossos nacionalistas e de ameaças do inferno bíblico de Peniche, onde os agentes da PIDE superavam em eficácia os inocentes diabos de garfo em punho do catecismo. Sempre imaginei que os pelos dos seus púbis fossem de estola de raposa, e que das vagina lhes escorressem, quando excitadas, gotas de Ma Griffe e baba de caniche, que abandonavam rastros luzidiso de caracol na murchidão das coxas.»
O regime inventou uma heroína: Cecília Supico Pinto que, em 1961, fundou o Movimento Nacional Feminino:
«Dei tudo o que tinha. O Movimento foi a minha vida!Os militares e o trabalho no Movimento foram, de certo modo, os filhos a que me dediquei.»
Em Janeiro de 2008, Sílvia Espirito Santo publicou o livro Cecília Supico Pinto – O Rosto do Movimento Nacional Feminino, Esfera dos Livros, Lisboa.
Sinopse do livro, feito pela editora:
«Durante treze anos, Cecília Supico Pinto multiplicou-se em viagens entre a metrópole e as «províncias ultramarinas», ameaçadas pelos movimentos independentistas. Cilinha, como era conhecida, vestiu o camuflado, dormiu em tendas de campanha, esteve debaixo de fogo e embrenhou-se no mato de África, mesmo quando um acidente a obrigou a andar de muletas e com um pé engessado. Tudo em nome de uma missão. Na bagagem levava mantimentos, recordações e anedotas para contar aos soldados portugueses. Cilinha foi a primeira-dama do Estado Novo de Salazar, «um verdadeiro príncipe», que apreciava a sua alegria, ria-se das suas anedotas, admirava a sua frontalidade e escutava os seus conselhos. Garante que, muitas vezes, o aconselhou a ir a Angola. O presidente do Conselho resistiu sempre. Elogiada por muitos, mas principalmente criticada por outros tantos.»
No livro Contos Exemplares de Sophia de Mello Breyner Andresen existe o conto Retrato de Mónica, datado de 1961:
Sobre este conto, o crítico Eduardo Pitta fornece a seguinte nota:
«É um retrato implacável da mulher que, sendo casada com o presidente da Câmara Corporativa (e antigo ministro da Economia), fundou o Movimento Nacional Feminino, pilar de apoio à guerra colonial. Nos anos 1960-70, quando as pessoas discutiam os “Contos Exemplares”, um dos que vinha à baila era esse retrato. Muita gente sabia quem era a retratada. Mas nem toda a gente saberia que a Cilinha várias vezes intercedeu junto de Salazar — parece ter sido a interlocutora mais influente do ditador — a favor de Francisco de Sousa Tavares, advogado e marido de Sophia, que a ela recorria quando o marido era preso. Amigas, portanto.»
Num depoimento, prestado a Fernando Madaíl, Diário de Notícias de 8 de Fevereiro de 2006, Cecília Supico Pinto, amiga de infância de Sophia, a quem tratava por Xixa, diz que não acredita que Sophia a tenha caricaturado nesse conto.
Do que é verdade ou lenda, não posso adiantar o que quer que seja.
Deixo-vos o final do conto:
«O marido de Mónica é um pobre diabo que Mónica transformou num homem
importantíssimo. Deste marido maçador Mónica tem tirado o máximo rendimento.
Ela ajuda-o, aconselha-o, governa-o. Quando ele é nomeado administrador de mais
alguma coisa, é Mónica que é nomeada. Eles não são o homem e a mulher. Não são
o casamento. São, antes, dois sócios trabalhando para o triunfo da mesma firma.
O contrato que os une é indissolúvel, pois o divórcio arruína as situações
mundanas. O mundo dos negócios é bem-pensante.
É por isso que Mónica, tendo renunciado à santidade, se dedica com
grande dinamismo a obras de caridade. Ela faz casacos de tricot para as
crianças que os seus amigos condenam à fome. Às vezes, quando os casacos estão
prontos, as crianças já morreram de fome. Mas a vida continua. E o sucesso de
Mónica também. Ela todos os anos parece mais nova. A miséria, a humilhação, a
ruína não roçam sequer a fímbria dos seus vestidos. Entre ela e os humilhados e
ofendidos não há nada de comum.
E por isso Mónica está nas melhores relações com o Príncipe deste
Mundo. Ela é sua partidária fiel, cantora das suas virtudes, admiradora de seus
silêncios e de seus discursos. Admiradora da sua obra, que está ao serviço
dela, admiradora do seu espírito, que ela serve.
Pode-se dizer que em cada edifício construído neste tempo houve sempre
uma pedra trazida por Mónica.
Há vários meses que não vejo Mónica. Ultimamente contaram-me que em
certa festa ela estivera muito tempo conversando com o Príncipe deste Mundo.
Falavam os dois com grande intimidade. Nisto não há evidentemente nenhum mal.
Toda a gente sabe que Mónica é seriíssima e toda a gente sabe que o Príncipe
deste Mundo é um homem austero e casto.
Não é o desejo do amor que os une. O que os une é justamente uma
vontade sem amor.
E é natural que ele mostre publicamente a sua gratidão por Mónica. Todos sabemos que ela é o seu maior apoio, o mais firme fundamento do seu poder.»
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