São muitas as cartas
em que António José Saraiva diz a Óscar Lopes que ele teima em não lhe escrever:
Este é o início da
carta datada de Outubro de 1964:
Passa todas as marcas o não me escreveres. É escandaloso. Que fizeste
nas férias? Não tens um pensamento para um amigo que está só em Paris? Não és
um homem, és um metido, uma tabuada, uma máquina electrónica, ou seja o que
for.
E a carta termina assim:
Outro elemento para considerares: sinto-me só, sem raízes,
desesperadamente só e sem raízes, incapacidade de trabalhar, vazio de crer
humano, em fase de considear muito seriamente a necessidade moral do suicídio.
E tu aí muito sossegado sem me escreveres!
Vê se arranjas um momento, homem sem coração!
Pelo meio da carta,
Saraiva conta:
Eu tenho passado as passa do Algarve. Ultimamente fui à Dinamarca (23
horas de viagem), para ver uma mulher. Uma descoberta sensacional; uma tragédia
que durou 5 dias em paris, 3 dias em Copenhague, com um intervalo de um mês de
cartas de amor (média 1 carta e ¼ por dia), telegramas e telefonemas a 3000
francos cada. Uma ruína. Conclusão: perdoa-me e esquece-me. Era (é) uma
portuguesa! Nunca encontrei nenhuma pessoa com quem tivesse uma tão completa
intimidade espiritual. Mas nem só de espírito vive a mulher! E eu sou um intelectual
cheio de interferências e excepcionalmente inibido. A decisão tinha de ser tomada
em 3 dias. E foi (ao menos provisoriamente).
(…)
Agora estou outra vez só. E a solidão é simplesmente IMPOSSÍVEL para
mim. Vai-me levar ao suicídio. Mas eu sou cada vez mais esquisisto com as
comidas e com as pessoas. Falta-me a apetência, e de vez em quando tenho
furiosos ataques de fome. Vou-me habituando anão comer como o burro do conto.
No dia em que já estiver completamente habituado – truca – desapareço!
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