sexta-feira, 25 de maio de 2018

A SOLIDÃO VAI-ME LEVAR AO SUICÍDIO


São muitas as cartas em que António José Saraiva diz a Óscar Lopes que ele teima em não lhe escrever:

Este é o início da carta datada de Outubro de 1964:

Passa todas as marcas o não me escreveres. É escandaloso. Que fizeste nas férias? Não tens um pensamento para um amigo que está só em Paris? Não és um homem, és um metido, uma tabuada, uma máquina electrónica, ou seja o que for.

E a carta termina assim:

Outro elemento para considerares: sinto-me só, sem raízes, desesperadamente só e sem raízes, incapacidade de trabalhar, vazio de crer humano, em fase de considear muito seriamente a necessidade moral do suicídio.
E tu aí muito sossegado sem me escreveres!
Vê se arranjas um momento, homem sem coração!

Pelo meio da carta, Saraiva conta:

Eu tenho passado as passa do Algarve. Ultimamente fui à Dinamarca (23 horas de viagem), para ver uma mulher. Uma descoberta sensacional; uma tragédia que durou 5 dias em paris, 3 dias em Copenhague, com um intervalo de um mês de cartas de amor (média 1 carta e ¼ por dia), telegramas e telefonemas a 3000 francos cada. Uma ruína. Conclusão: perdoa-me e esquece-me. Era (é) uma portuguesa! Nunca encontrei nenhuma pessoa com quem tivesse uma tão completa intimidade espiritual. Mas nem só de espírito vive a mulher! E eu sou um intelectual cheio de interferências e excepcionalmente inibido. A decisão tinha de ser tomada em 3 dias. E foi (ao menos provisoriamente).
(…)
Agora estou outra vez só. E a solidão é simplesmente IMPOSSÍVEL para mim. Vai-me levar ao suicídio. Mas eu sou cada vez mais esquisisto com as comidas e com as pessoas. Falta-me a apetência, e de vez em quando tenho furiosos ataques de fome. Vou-me habituando anão comer como o burro do conto. No dia em que já estiver completamente habituado – truca – desapareço!

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