sexta-feira, 11 de maio de 2018

UM FATO QUE ME FICA DEMASIADO LARGO


«Queria mandar-te mais alguma coisa além das palavras. Por isso meti a minha voz nesta gaiola que canta. Uma gaiola que é um pássaro. Ofereço-ta. Mas também quero pedir-te uma coisa, Mario, que só tu podes fazer. Os outros meus amigos todos ou não saberiam o que fazer, ou pensariam que sou um velho gagá e ridículo. Quero que vás com este gravador passear pela Ilha Negra, e me graves todos os sons e ruídos que fores encontrando. Preciso desesperadamente nem que seja do fantasma da minha casa. A minha saúde não anda bem. Falta-me o mar. Faltam-me os pássaros. Manda-me os sons da minha casa. Vai ao jardim e deixa tocar os sinos. Primeiro grava esse repicar fininho dos sininhos pequenos quando os agita o vento, e a seguir puxa a corda do sino maior, cinco, seis vezes, Sinos, meus sinos! Não há nada que soe tanto como a palavra sino, se a ouvimos de um campanário junto ao mar. E vai até às rochas e grava-me a rebentação das ondas. E se ouvires gaivotas, grava-as. Paris é bonita, mas é um fato que me fica demasiado largo. Além disso aqui é Inverno, e o vento revolve a neve como um moinho de farinha. A neve sobe e sobe, trepa-me pela acima. Faz de mim um triste rei com a sua túnica branca. Já chega à minha boca, já me tapa os lábios, já não me saem as palavras».
«E para que conheças alguma coisa da música de França, mando-te uma gravação do ano de 1938 que encontrei esquecida numa loja de discos usados do Bairro latino. Quantas vezes a cantei quando jovem? Sempre quis tê-la e nunca consegui. Chama-se J’attendrai, canta-a Rita Ketty, e a letra diz: «Esperarei dia e noite, esperarei sempre que regresses.»

Antonio Skármeta em O Carteiro de Pablo Neruda.

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