«Queria mandar-te mais alguma coisa além das palavras. Por isso meti a
minha voz nesta gaiola que canta. Uma gaiola que é um pássaro. Ofereço-ta. Mas
também quero pedir-te uma coisa, Mario, que só tu podes fazer. Os outros meus
amigos todos ou não saberiam o que fazer, ou pensariam que sou um velho gagá e
ridículo. Quero que vás com este gravador passear pela Ilha Negra, e me graves
todos os sons e ruídos que fores encontrando. Preciso desesperadamente nem que
seja do fantasma da minha casa. A minha saúde não anda bem. Falta-me o mar.
Faltam-me os pássaros. Manda-me os sons da minha casa. Vai ao jardim e deixa
tocar os sinos. Primeiro grava esse repicar fininho dos sininhos pequenos
quando os agita o vento, e a seguir puxa a corda do sino maior, cinco, seis
vezes, Sinos, meus sinos! Não há nada que soe tanto como a palavra sino, se a
ouvimos de um campanário junto ao mar. E vai até às rochas e grava-me a
rebentação das ondas. E se ouvires gaivotas, grava-as. Paris é bonita, mas é um
fato que me fica demasiado largo. Além disso aqui é Inverno, e o vento revolve
a neve como um moinho de farinha. A neve sobe e sobe, trepa-me pela acima. Faz
de mim um triste rei com a sua túnica branca. Já chega à minha boca, já me tapa
os lábios, já não me saem as palavras».
«E para que conheças alguma coisa da música de França, mando-te uma
gravação do ano de 1938 que encontrei esquecida numa loja de discos usados do
Bairro latino. Quantas vezes a cantei quando jovem? Sempre quis tê-la e nunca
consegui. Chama-se J’attendrai,
canta-a Rita Ketty, e a letra diz: «Esperarei dia e noite, esperarei sempre que
regresses.»
Antonio Skármeta em O Carteiro de Pablo Neruda.
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