Em 2 de Março de
1974, Mário-Henrique Leiria escreve à sua «Querida
Beluska»:
Cá por casa tudo no costume chato.
Eu vou recebendo cartas anónimas, com ameaças por causa do que escrevo.
No mínimo sou traidor e devo ser fuzilado. Rio-me à farta e deito os papéis ao
lixo.
As velhas não há maneira de morrerem, e por isso, tenho de continuar a
gostar delas. Lá vou às compras, de barrete russo enfiado na mocha, lá tento
fazer o que posso. Estou farto, é claro.
Editoras pedem coisas. Não tenho nem quero dar.
As pessoas dantes nem ligavam ao Mário-Henrique, agora chateiam-me pelo
telefone e até vêm, à caça do autógrafo. Mando à merda e desligo ou, então,
mando dizer que saí com voz bastante alta para ouvirem. Estou farto mesmo.
Ainda não é hoje que vai a carta para o John. Pede-lhe desculpa, mas
tenho andado tão desorientado em relação ao que devo fazer, que não consigo
escrever nada. Como precisava de dinheiro, tenho estado a traduzir bandas
desenhadas para a Arcádia. Tradução de M.-H. Leiria, estás a ver, não é? Isso
ajuda à venda, agora. E até pagam que, afinal, é o que eu quero.
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