Aos hábitos me ligo. Os hábitos não têm porventura outra virtude senão
essa:
a de convergir para a existência do nada.
Se, por exemplo, escrevo como quem desenha caracteres chineses para mim
obscuros,
se me detenho (agora) no uso do não-uso, vulgar, duma letra,
se a circunscrevo, então, meditativamente, dubitativamente e com
cautela, -
é porque tudo para mim me habitua a duvidar de mim. Menos os hábitos.
Porque neles é que eu me reconheço. Não me conheço em mim.
E dão-me – por momentos e reconfortantemente – a sensação de que
escrevo
por linhas eternamente finas, delicadas, precisas,
toda a incerteza de que me constituo…
toda a miséria dos meus olhos fechados.
Por isso aos hábitos recorro. Até ao hábito de gostar de ti.
Sem outra companhia que não seja
o não saber viver doutra maneira.
Lisboa, 21 de Outubro de 1970
Raul de Carvalho em Um e o Mesmo Livro
Legenda: não foi
possível identificar o autor/origem da fotografia.
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