A discussão
sobre a eutanásia é uma discussão dificílima, um emaranhado de melindres, cada
cabeça sua sentença…ou se está a favor… ou se está contra…
O resto é pano
de fundo onde se torna difícil navegar… mas navegar é preciso!
Eutanásia
significa morte tranquila, ajudar as pessoas em agonia a sair deste mundo com serenidade,
não é a escolha entre a vida e a morte.
É uma escolha
entre duas maneiras de morrer.
Com ou sem
dignidade.
O médico e
escritor Fernando Namora morreu em Janeiro de 1989.
Até morrer,
sofreu horrivelmente.
O Dr. José
Luciano de Carvalho que, durante anos e anos, assistiu a nossa família, quando
num dia longínquo lhe perguntei a sua opinião sobre a eutanásia, não se mostrou
favorável e contou-me que, durante a doença, ao visitar o seu amigo e colega
Fernando Namora, e este lhe pedira, encarecidamente, que o ajudasse a morrer.
- Fernando, sabes tão bem como eu, que não te posso
ajudar: fizemos um juramento…
Falava do Juramento de Hipócrates.
Acresce a este
juramento profissional, a posição da Igreja.
Tenho um vasto dossier, li livros, vi filmes sobre o tema, sei-o fracturante, a crispação que
o tema provoca, por tudo isto, também por instinto, sou a favor da eutanásia.
Hoje, o tema da
morte assistida, quatro coprojectos do PS, Bloco de Esquerda, Partido Ecologista
Os Verdes e PAN, será discutido na Assembleia da República.
O PCP e o CDS
votarão contra, os restantes partidos deram liberdade de voto aos seus
deputados.
O desfecho desta
votação aponta para um «não» como resultado. Contas feitas pelos jornalistas,
mostram que 116 deputados deverão chumbar a legalização da eutanásia contra 114
deputados que votarão a favor, mas estes números não são um dado adquirido.
Li a Posição política do Partido Comunista sobre a provocação da morte assistida, inclino-me a perceber o que nela se pretende,
mas não concordo com os argumentos expostos.
Acresce que essa
múmia política que dá pelo nome de Cavaco Silva, há longo tempo remetido ao silêncio,
disse à Rádio Renascença que é contra a legalização da eutanásia:
«Estando em
causa a defesa do primado da vida humana, entendi que devia fazer uso das duas
armas que me restam como cidadão: a minha voz, não ficando calado, e o meu
direito de voto na escolha dos deputados nas próximas eleições legislativas.»
No mesmo sentido
se pronunciou o ex-primeiro ministro Pedro Passos Coelho e, segundo o Expresso,
Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que não tem posição tomada em relação aos
diplomas sobre a eutanásia que estão em discussão, mas deverá vetar a lei.
Seguem-se declarações
de diversas personalidades, relembro uma história do quotidiano contada por José
Cardoso Pires, incursões sobre os Diários de Miguel Torga e Vergílio
Ferreira e mais à frente, em Relacionados, coloco três «velhos»
recortes:
«Tenho idade e já sofri o suficiente para saber que a
vida, sendo embora um bem finito, só vale a pena ser vivida em plenitude ou com
dose razoável de humanidade. No ano em que se deixou morrer, Teixeira de
Pascoaes disse à família uma coisa luminosa: “Não me tirem a dignidade de
viver”. Tinha 75 anos, extinguia-se rapidamente e tinha consciência de que
entrara na fase terminal da vida. É por isso, porque a decadência irreversível
antecipada por uma cabeça é o mais horrível dos sofrimentos, que defendo o
direito de cada um de nós dispor daquilo que pode ser considerado uma
“dignidade de viver”.»
António Mega
Ferreira, escritor.
«O Expresso pergunta-me por que defendo a eutanásia. E
eu respondo, de forma simples e clara: porque quero continuar, como até agora,
a poder decidir sobre todos os minutos da minha vida, mesmo quando ela se
aproxime do fim e a única expectativa que posso alimentar é sofrer até ao
último suspiro ou continuar vivo mas sem vida, estar mais morto que vivo.
Aprovada a morte assistida cada um poderá decidir como
entender sobre a reta final da vida, ninguém fica obrigado a ela recorrer mas
também ninguém estará impedido de o fazer
Defendo a morte assistida (eutanásia e suicídio
medicamente assistido) porque defendo a minha liberdade e a de todos. Aprovada
a morte assistida cada um poderá decidir como entender sobre a reta final da
vida, ninguém fica obrigado a ela recorrer mas também ninguém estará impedido
de o fazer.
Sim, há uma questão ética nesta discussão. A escolha é
entre uma ética da liberdade – uma ética da tolerância - e uma ética da
imposição. Eu não quero impor a eutanásia seja a quem for, mas não aceito que
me imponham opções que não são as minhas. Muito menos quando a consequência
dessa imposição é sofrer mais ou reduzir-me a um estado vegetativo.»
João Semedo, médico
e ex-deputado do Bloco de Esquerda
«A Igreja que quero forte é a maioritária no meu país:
a Igreja Católica Apostólica Romana. Sou ateu, não acredito na existência de um
Deus (ou vários), acredito na autonomia do homem, na natureza, no conhecimento
científico e que o que sobra quando morremos é pó e a memória que os outros
guardarão de nós. Mas, mesmo sabendo que Deus não existe, sei também outra
coisa: a Igreja existe. E, mesmo assente naquilo que eu simpaticamente posso
admitir como um grande equívoco, é melhor que continue a existir - e forte.
Forte para os nus e para os esfaimados do mundo, para os excluídos e para os
que não têm outro remédio. Mal ou bem, para estes. Caridadezinha ou humanismo
grande - que salve pessoas, é o que interessa.
Vêm aí decisões sobre a despenalização da eutanásia,
no Parlamento. Afirmo-me desde já favorável. Admito o direito de alguém em dor
e sofrimento, lúcida e plenamente informado, por decisão rigorosamente própria,
perante uma doença clinicamente incurável, ter direito a que alguém de forma
voluntária e medicamente competente lhe ponha fim à vida. Acontece que não
tenho certezas sobre isto - e duvido que alguém verdadeiramente possa ter. Há
nas circunstâncias de alguém que pede morte assistida mil e uma razões que me
podem levar a ter dúvidas. E nenhuma lei as poderá prever todas, para lá de
qualquer dúvida.»
João Pedro Henriques,
jornalista
«No dia em que a minha vida for exclusivamente uma
visão de caixas de comprimidos, sem trabalho, sem capacidade de leitura, de
apreciar música, de sair à rua, pois não quero cá estar. Podemos concordar que
discordamos, mas a minha morte é um assunto meu.»
Patrícia Reis,
escritora
«Nós ouvimos falar de eutanásia e não nos podemos
esquecer que a palavra vem do grego, significa "boa morte". Defendo
que a vida compreende inevitavelmente a morte. Assim sendo, todos nós temos o
direito de dispor da forma como queremos terminá-la. E devemos ter esse direito.
Penso que a sociedade já interiorizou que as pessoas
não devem ter uma má morte. Quantas vezes nós ouvimos dizer, mesmo de quem tem
um ponto de vista religioso: "Deus o leve." Isto quer dizer o quê?
Ponham termo a este sofrimento. Com toda a franqueza, penso que esse sentimento
já está interiorizado socialmente. As pessoas não gostam de ver sofrer
familiares, nem terceiros.»
Paula Teixeira
da Cruz, deputada, ex-ministra da Justiça.
«Sou a favor da eutanásia e subscrevi o recente
manifesto Direito a Morrer com Dignidade. Não o fiz propriamente por achar
que há um direito a morrer ou por qualquer razão jurídica. Não o fiz por
considerar que a morte sem recurso à eutanásia e após grande sofrimento não
possa ser digna. Claro que pode. E claro que se pode defender que a disposição
da nossa Constituição que determina que “a vida humana é inviolável” não
permite a legalização da eutanásia. Como, de resto, se afirmou relativamente à
legalização da interrupção voluntária da gravidez. Mas são meras construções
jurídicas e a questão de fundo não me parece ser jurídica.
É uma questão de concreta humanidade e amor ao
próximo. Aceitar a legalização da eutanásia exige-nos a capacidade de aceitar
que o “outro em sofrimento” não queira viver um pesadelo existencial sem outra
saída que não seja a morte e possa evitar esse pesadelo e pôr termo à vida de
uma forma não clandestina e angustiada mas antes, tanto quanto possível,
tranquila e em paz. É também a possibilidade de alguém a quem amamos não ter de
sofrer absurdamente.»
Francisco Teixeira
da Mota, advogado
«Dois velhos a viverem há cinquenta anos numas águas
furtadas da Avenida Marginal, frente ao Tejo: ele reformado da construção
naval, sentado à cabeceira da mulher que esperava a morte que não vinha, e a
olhar os navios que entravam e saíam da barra; a estudar os voos das gaivotas;
a confirmar hora após hora os comboios que passavam entre ele o rio por essas
praias além; a pensar mundos perdidos para lá dos nevoeiros. E vencido,
impotente, porque a mulher há tantos anos, minada por metástases até aos ossos
gritava, dormia e respirava dores, implorando a Deus que a levasse, depressa,
Senhor, depressa para a sua santíssima presença.
Uma manhã, ao despertar, o velho viu-a por instantes
bela e serena como nos seus tempos de amor. E chorou de mansinho e também ele
desejou morrer.
Depois sentiu as dores a aproximarem-se de novo, e a
escorrer lágrimas de desespero, de cansaço, de saudade, abraçou-se à mulher
amada, envolveu-se nela e no seu sofrimento e cobriu-lhe o corpo de facadas.
Suicidou-se atropelado por um comboio, mesmo em frente
da janela onde costumava ver passar os navios.»
José Cardoso Pires
«O pior na doença, mais do que o sofrimento, é a
desgraça de ter todos os momentos na consciência a humilhação das fraquezas do
corpo. É sentir cada órgão a recusar a função, cumprir de má vontade o acto de
viver. É suportar a tirania dos sentidos e nada poder contra a degradação e o
empobrecimento de ser seu escravo. Viver é estar inocente de si próprio. Como
na santidade, que tem de se ignorar, também nenhuma parte de nós deve saber que
existe.
(…)
Não sei como
hei-de resistir.
- A resistir… -
responde-me uma teimosa voz interior.
E deixo-me ficar
estoicamente no meu sofrimento, fiel à íntima certeza em que sempre vivi de que
a suprema fortuna é saber corajosamente merecer a vida, e a suprema desgraça é
coverdemente não a saber perder.»
Miguel Torga, Diãrio
Vol. XVI
«Mas a certa altura fala-me da nossa irmã. O espírito
apaga-se-lhe precipitadamente e tudo aquilo que a ligava ao mundo se lhe
confunde num caos. A filha, marido, todas as pessoas de família lhe são figuras
estranhas como toda a perspectiva do tempo se lhe perdeu. Tento situar-me em
face da minha irmã e não sei. Quando voltar a vê-la decerto me mão conhece.
Todo o passado da nossa infância comum vem ter comigo e de súbito ele está
morto nela a uma distância de vertigem. Que significa ela estar viva e real na realidade
que é a sua? É morta minha irmã. No fundo de mim o sei.»
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