Morreram pela Pátria
Mikail Cholokov
Versão: Jaime Brasil
Capa: João da Câmara
Leme
Colecção
Contemporânea nº 49
Portugália Editora,
Lisboa, Outubro de 1963
- Não vás supor, Nicolau, que foi sempre assim desde o nosso casamento.
Não há mais de dois aos que minha mulher ficou desarranjada por causa da
literatura.
«Vivemos oito anos como outro casal qualquer. Anastácia e eu fazíamos
equipa numa ceifadora, sem nunca ela ter desmaios nem fazer fitas. Depois
quando lhe deu para a literatura, foi o começo do fim. Tornou-se tão sábia que
não pode falar como toda a gente: precisa de maiúsculas para tudo. Passa s
noites a ler e de dia parece uma ovelha com ronha: suspira e tudo lhe cai das
mãos. Uma vez, imagina, aparece-me a suspirar, mas então a ponto de cortara o
coração, e explica-me com ares amaneirados: «Meu pobre Ivan, pensa que nunca me
fizeste uma declaração de amor! Nunca ouvi da tua boca palavras ternas como as
que escrevem na literatura!». Eu começava a ficar a estar danado. Ela leu e
tresleu, pensava, e respondi-lhe: «Anastácia, não estarás um tanto chalada? Há
dez anos que estamos juntos. Já nos nasceram três garotos. De que teria o ar,
santo Deus, se me pusesse a recitar uma declaração de amor? Poderia dar as
voltas que desse à língua; mas não sairia nada. Palavras ternas, até no tempo
em que era jovem, nunca as disse; explicava-me por gestos; não seria nesta
altura que ia começar. Não sou tão tapado como tu imaginas. Em lugar de leres
todos esses calhamaços idiotas, farias melhor se te ocupasses dos pequenos.» Os
garotos, devo dizê-lo, crescem ao deus-dará, e a casa transformou-se numa
espécie de bazar.
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