A Longa Viagem
Jorge Semprun
Tradução: João Gaspar
Simões
Capa: Sebastião
Rodrigues
Colecção Encontro nº
34
Editora Arcádia,
Lisboa s/d
Há este amontoado de corpos no vagão, esta dor
lancinante no joelho direito. Os dias, as noites. Num esforço tento contar os
dias, tento contar as noites. Talvez isso me ajude a ver claro. Quatro dias,
cinco noites. Mas devo ter contado mal ou então há dias que se transmudaram em
noites. Tenho noites a mais; noites para dar e vender. Uma manhã, de facto, foi
numa manhã que esta viagem principiou. Esse dia inteiro. Depois uma noite. Alço
o polegar na penumbra do vagão. O polegar, por essa noite. E depois outro dia.
Estávamos ainda em França e o comboio mal se havia movido. Ouvíamos vozes, por
vezes, de ferroviários, para além das botas das sentinelas. Esquece essa noite,
foi o desespero. Outra noite. Soergo outro dedo na penumbra. Um terceiro dia.
Outra noite. Quatro dias, portanto, e três noites. Três dedos da minha mão
direita. E o dia em que estamos. Quatro dias, portanto, e três noites.
Caminhamos para a quarta noite, o quinto dia. Para a quinta noite, o sexto dia.
Mas seremos nós quem avança? Nós estamos imóveis, amontoados uns em cima dos
outros, a noite é que avança, a quarta noite, para os nossos futuros cadáveres
imóveis. Dá-me vontade de rir: realmente, via ser a Noite dos Búlgaros.
- Não te canses, diz o camarada.
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