Estamos a 13 de
Fevereiro de 1974 e Mário-Henrique Leiria escreve carta para a sua «Beluska distante».
Uma gripe atirou-o às
malvas, a mãe com uma recaída, Jovília de cama, também, com gripe. A humidade
de Carcavelos dá-lhe cabo do reumatismo.
«Não sei, menina, realmente não sei como ainda tenho paciência para
aturar estas velhas e isto tudo.
Realmente eu sou um animal solitário por excelência, gosto mesmo de
estar só, não aguento este constante palrar das velhas e o ladrar do Vodka. É
bom que saibas que é assim mesmo, uma espécie de lobo velho que nem sequer já
acredita na alcateia.
(…)
De literatura e outras tretas, informo-te que a semana passada passei
para best-seller nº 1. Claro que isto não quer dizer nada, já que eu não acredito
mesmo em best-sellers. Bem, mas para a editora quer, é evidente. Tanto que,
logo à noite, vêm buscar-me para ir jantar com os editores. Não me aguento nas
pernas com a gripe e o reumatismo, mas vou. Já viste a merda em que as pessoas
me metem? Pois aí, até sei o que querem: 2º edições dos dois livros e pedido
para um terceiro, já me avisaram por carta. Estão enganados. Se me deixo cair
na engrenagem, lixo-me. Não senhora. Não tenho nada a ver com isto e já o
disse, veio cá um jornalista da VIDA MUNDIAL, brasileiro calcula tu, e simpatiquérrimo. Vai nas páginas centrais,
com fotos e tudo. Desta vez estoirei e disse mesmo que quero que vão todos para
a puta que os pariu. Também apareceu uma moça judia brasileira correspondente
da MANCHETE. De facto o humor negro e
a crueldade risonhamente amarga é bem uma característica semita. Não estou
certo do que disse, mas creio que vai sair uma bronca daquelas, já que
percebemos a linguagem um do outro à primeira palavra, ao som de discos de
Israel.
Legenda: fotografia
de Luís Severo de ume entrevista publicada em O Diário, 28 de Dezembro de 1978
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