quarta-feira, 30 de maio de 2018

CARTA A UM POETA


                                                                                                    A Aimé Césaire

Ao Irmão amado e ao amigo, minha saudação abrupta e fraternal!
Os  alcatrazes negros, os pirogueiros de longo curso deram-me a saborear notícias
      tuas
De mistura com especiarias, com odoríferos sons dos Ricos do Sul dos Rios das Ilhas.
Falaram-me do teu crédito, da tua eminente fronte e da flor dos teus lábios subtis
Que eles, os teus discípulos, te criaram, favo de silêncio, leque de pavão
Pois até se erguer a lua manténs seu zelo alterado e ofegante.
Será esse teu perfume de frutos fabulosos ou o teu sulco de luz em pleno dia?
Quantas mulheres de pele de sapota no harém do teu espírito!
Encanta-me, para além do tempo, sob a cinza das tuas pálpebras
Esse tição ardente, a tua música apara a qual estendíamos as mãos e o nosso coração    
     de antigamente.
Acaso esqueceste tua nobreza, que é a de cantares
Os antepassados os Príncipes e os Deuses, que não são flores nem gotas de orvalho?
Devias oferecer aos Espíritos os frutos brancos do teu jardim
- Apenas comias a flor, colhida nesse mesmo ano do milho-miúdo
Sem lhes roubares uma só pétala para perfumares tua boca.
Toco, no fundo poço da memória,
O teu rosto donde extraio a água que vem refrescar-me desta longa saudade.
Reclinas-te, real, apoiado à almofada de uma colina clara,
Teu leito pesa na terra que suavemente pena
Os tantãs, nas inundadas planícies, ritmam o teu canto, e teu verso é o respirar
    da noite e do mar longínquo.
Cantavas os antepassados e os príncipes legítimos
Colhias no firmamento uma estrela para a rima
Rítmica a despropósito; e a teus pés descalços lançavam os pobres a trança do
    seu ganho de um ano
E a teus pés descalços, seu coração de âmbar as mulheres, e a dança de sua alma
    dilacerada.

Meu amigo meu amigo – oh! tu viras tu virás!
Estarei à tua espera - mensagem confiada ao patrão do cúter – debaixo do acajueiro.
Estarás de regresso para o festim das primícias, Quando sobre os telhados fumega
    a doçura da tarde ao sol declive
e os atletas estadeiam a sua juventude, engalanados como noivas, deverás tu chegar.

Léopold Senhgor em Poemas 

Legenda: Aimé Césaire                                                               

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