Puta de Prisão
Isabel do Carmo e
Fernanda Fráguas
Prefácio: Augusto
Abelaira
Capa: Carmen Duarte
Ferreira
A Regra do Jogo
Edições, Lisboa, 1982
Nós vamos falar de prostitutas.
Mas não vamos falar:
Das «esposas» dos vários níveis sociais, desde as altas instituições à
pequena burguesia, que vivem de ser casadas. Ou seja, que venderam o corpo
legalmente. Iconoclastia das nossas adolescências contra essa mulher – tipo (Salazar).
Partíamos a loiça toda. E hoje também.
Nem das segundas esposas, que a masculinidade duma certa burguesia se
sente na obrigação de manter de casa e pucarinho. Ofício de amante, mais ou
menos graduado conforme se vai descendo de administrador, general, ministro ou
secretário de estado para baixo.
Nem das trabalhadoras de certos ofícios (loja elegante) que vendem
horas suplementares, com o cinismo e a frieza de quem usa cosméticos por tabela.
Nem das prostitutas elegantes, de apartamento luxuosos, que constam das
listas especiais.
Nem daquelas que fazem parte de negócios obscuros sob a batuta de
damas, que possuem salas de espelhos e lugares de espreita para cavalheiros com
vícios.
Nem das «filhas boas de famílias más, que andam com os filhos maus das
famílias boas», vivendo coisa nenhuma, ou seja, permanecendo no grupo e à custa
do grupo, porque «boas» e disso vivendo.
Nem das que nos bares chiques, nos Comodoros e outros, são bem pagas
por velhos e semivelhos da burguesia.
Nem tão pouco das prostitutas que estão nas casas clandestinas.
Nenhuma dessas categorias é presa.
Nós vamos falar da outra.
Da que está no degrau mais abaixo da escada.
Nós vamos falar da prostituta de rua, da prostituta de estrada.
Nenhuma prostituta pobre, que é frequentada, sobretudo, por homens
pobres.
E que integra, afinal, o grande e miserável exército de prostituição.
Ela, a única considerada vadia.
E por isso presa.
É a puta da prisão.
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