sábado, 6 de junho de 2020

ANTOLOGIA DO CAIS


Para assinalar os 10 anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar alguns textos que por aqui foram sendo publicados.

PAPÉIS DATADOS

Eu, que me comovo por tudo e por nada, assim fiquei ao sair da Exposição que assinala o centenário do nascimento do professor, pedagogo, cientista, Rómulo de Carvalho, do poeta António Gedeão, que está patente na Biblioteca Nacional, de 12 de Outubro de 2006 até 6 de Janeiro de 2007.

Chama-se a exposição António é o meu nome,  e mostra parte do espólio do autor, doado pela família.

Do que se vê, ressalta a ideia de um homem extremamente organizado e rigoroso, gostando das mais ínfimas coisas, coleccionando tudo o que lhe chamava a atenção e que, por isto ou aquilo, entendia guardar.

Fazia álbuns de fotografias das viagens e levava para casa as mais improváveis coisas, como a pena de um pombo encontrada em Trafalgar Square.

Coleccionava bilhetes de transporte, de museus, de espectáculos, postais e outras coisas que os humanos consideram inúteis ou absurdas.

No espólio encontra-se uma carta do compositor Alain Oulman a solicitar-lhe autorização para musicar o poema Calçada de Carriche e, ao mesmo tempo, dando a conhecer que fizera alguns cortes, mas que não adulteravam o sentido do poema.

Outra das suas predilecções era álbuns com fotos da família que ele próprio organizava e encadernava com tecidos floridos.

Tecidos semelhantes àquele que o meu avô utilizou para encadernar a Fanga do Alves Redol.

Adorava dar aulas e, se não tivesse sido professor, gostava de ter sido marceneiro. 

Foi ele que construiu toda a mobília que se encontrava no seu escritório, desde a secretária às estantes.

Um pouco como o meu pai. Todo o mobiliário do escritório/biblioteca da casa onde nasci, foi ele que concebeu. Desde uma escrivaninha às estantes e uma mesa para o meio da sala onde se bebia café e demais bebidas.

Parte dessas estantes vieram aqui para casa. Por impossibilidade de espaço não pude trazer todas e isso deixou-me algum desgosto porque, nos tempos livres do meu pai, as vi nascer. Eram parte da minha vida.

Os cadernos em que Gedeão escreveu a sua variada obra, numa letra desenhada e miudinha, lembram os cadernos onde o meu avô escreveu as traduções que fez dos livros de Anatole France.

Olha-se toda a exposição, e ressalta a figura que Rómulo de Carvalho/António Gedeão foi: um estupendíssimo professor, um belíssimo poeta, um príncipe do Humanismo.

É muito importante que, para além da obra, se olhem exposições como esta.

Ficamos com uma ideia mais abrangente dos autores que amamos.

Devia ser tarefa obrigatória dos governos.

(17 de Novembro de 2006)

Texto publicado em 24 de Novembro de 2016

2 comentários:

Seve disse...

Ó Caro Sammy, tenho aqui um livro do Anatole France "Contos escolhidos", com selecção, tradução e prefácio de Mário Braga.

É uma edição da Livraria Civilização, de 1967; este Senhor Mário Braga seria o seu avô?

Um abraço

Sammy, o paquete disse...

Não, caro Seve, o meu avô, tradutor de Anatole France, não era o Mário Braga.
Curiosamente ambos nasceram em Coimbra, o meu avô em 1878, o Mário Braga em 1921.
Os dois livros do Anatole France que o meu avô traduziu foram: «Thais» e «A Ilha dos Pinguins». Traduzi-os por mero entretinimento.
Ando há longo tempo para fazer um texto sobre estas traduções do meu avô, mas não tem sido fácil.
Porque todos os começos são difíceis.
Um abraço.