“I do not know when
anything has so moved me as did the plaintive melodies of the Jubilee
Singers”
Mark Twain, 1873
A “Fisk University”,
em Nashville, é hoje um dos principais lugares históricos da cidade e um dos
mais antigos e importantes dos Estados Unidos no domínio da Educação. Faz parte
do “National Register of Historic Places” que, como o nome indica, contém todos
os lugares considerados historicamente relevantes no País.
Foi constituída em
1865, com a designação de “Fisk Freed Colored School”, destinada a proporcionar
uma educação religiosa aos “freeded”, isto é, aos antigos escravos libertos no
final da Guerra da Secessão. A constituição desta Escola foi efetuada sob a
égide da “American Missionary Association”, uma organização religiosa
abolicionista do Norte que se distinguiu pelo lançamento de diversas
iniciativas de apoio à educação dos ex-escravos, em articulação com uma Igreja
local, a “United Church of Christ”
O nome “Fisk” é uma
homenagem ao General da União Clinton Bowen Fisk, pioneiro na introdução de medidas
que fomentavam a educação gratuita de crianças necessitadas, negras e brancas,
que concedeu à Escola um importante apoio financeiro para iniciar a sua atividade,
bem como uma quantidade significativa de tendas de guerra tornadas obsoletas
pela final das hostilidades e que serviram como locais de aula e de alojamento
dos alunos. Por ironia, nas escavações do terreno que foi cedido para a
instalação da Escola foram encontradas ruínas de um antigo mercado de escravos.
Era então ali, no preciso local onde antigas gerações de escravos tinham sido
separadas das suas famílias e vendidas como animais na praça, que os seus
descendentes se iriam, através da Educação, procurar libertar das grilhetas do
destino... Enquanto escravos, uma simples tentativa para aprenderem a ler e a escrever
poderia ser motivo para condenação à morte ou, na melhor das hipóteses,
mutilação. Com a abolição da escravatura a ânsia de aprendizagem por
parte dos ex-escravos foi tal que rapidamente foram registados na Escola 900
pedidosde inscrição, de pessoas com idades compreendidas entre os 7 e os 70
anos.
Na “Fisk School”,
nesses primeiros anos sob a égide da católica AMA os professores eram maioritariamente
brancos e ensinava-se o Negro a respeitar o “status quo”, isto é, a perceber
que lugar lhe reservava a Sociedade e a não ambicionar muito mais. E esse lugar
era o que estava determinado nas recentes Leis Jim Crow, que impunham a
segregação.
Apesar de toda esta
doutrinação, o conformismo nem sempre imperou entre os alunos. Em 1929 ocorreu uma
rebelião contra as decisões de um Presidente ditatorial e muitos anos mais
tarde, durante os tempos escaldantes do “Civil Rights Mouvement”, é normal que
também por lá tenha havido algumas escaramuças.
Mas, no geral, a
calma reinou, embora tenha sido necessário esperar mais de 90 anos para que uma
Universidade para alunos maioritariamente negros tivesse direito a ter, em
1947, o seu primeiro Presidente negro.
Embora tenha passado
por algumas dificuldades ao longo da sua existência, a “Fisk” expandiu, ano
após ano, as suas instalações, alargou os seus “curriculum”, apostou na admissão
de professores negros, em pé de igualdade com os restantes, adquiriu o estatuto
de “Universidade” e institui-se como uma das principais “all black universities”
do País.
No domínio Cultural e
para além de outros espólios relevantes, a “Fisk” é depositária da “Alfred
Stieglitz Collection”, uma coleção de pintura e outros objetos de Arte reunida
por este pioneiro da Fotografia americana.
A história que acabei
de vos contar está bem contada.
É sintética,
suficientemente genérica e tem redes por todo o lado de modo a que ninguém me
possa acusar de ter faltado à verdade.
Mas, como tantas
vezes sucedeu ao longo da História dos Estados Unidos sempre que se tratou de reconhecer
a importância da intervenção do Negro, a minha história também só conta uma
parte da realidade. O resto, e talvez o mais importante, foi escamoteado...
A verdade é que esta
Universidade só sobreviveu e pôde atingir a dignidade que tem nos dias de hoje devido
à iniciativa de um Branco esclarecido e amante de Música, e ao trabalho árduo
de nove adolescentes ex-escravos. Mais propriamente, de cinco raparigas e de
quatro rapazes...
A história é muito
interessante e merece ser contada com algum detalhe.
Ultrapassada que fora
a euforia cívica e filantrópica que se sucedera ao final da Guerra da Secessão,
as organizações humanitárias tipo “Fisk School” começaram a sentir as primeiras
dificuldades para sobreviverem.
No ar estavam ainda
alguns resquícios da crise económica internacional de 1866 e começavam a
notar-se, também, os primeiros sinais da grande crise económica americana que
haveria de ficar registada na História como o “Panic of 1873”.
As doações
particulares e institucionais eram cada vez mais raras.
Tanto a “American
Missionary Association” como a “United Church of Christ” estavam a passar por grandes
dificuldades e impossibilitadas de continuar a apoiar financeiramente as
instituições cujo nascimento tinham fomentado.
A capacidade de
endividamento da “Fisk School” tinha atingido os seus limites.
A alternativa era
apenas uma... Ou se acabava de vez com a Utopia de um ensino gratuito e os
alunos começavam a pagar os seus estudos, ou então a sobrevivência da Escola
estava condenada.
Mas o tesoureiro da
“Fisk”, George Leonard White, sabia que tal seria impraticável.
Os pais de uma
minoria dos alunos talvez pudessem pagar, mas a esmagadora maioria não o
poderia...
O missionário George
White tinha uma relação muito antiga com a Música. Antes de se ter alistado nas
fileiras da União já tinha organizado vários grupos corais e durante a Guerra
era membro da banda do exército.
O gosto e a
necessidade da Música acompanhavam-no em “Fisk” e, para além de Tesoureiro,
White começou a ensinar aos alunos mais dotados e interessados alguns clássicos
da música coral europeia sua contemporânea.
Mas o que mais atraia
White, por se tratar de uma sonoridade que nunca antes tinha ouvido, eram as canções
que os próprios alunos costumavam cantar, sozinhos ou em coro, nas suas tendas
ao deitarem-se, como se de verdadeiras orações se tratasse.
Essas músicas eram
aquilo a que mais tarde se viria a chamar de “Spirituals”.
Um parêntesis para
relembrar que estes “Spirituals”, embora provenientes de África, são a manifestação
mais antiga da música negra de inspiração religiosa nos Estados Unidos.
Confundem-se, por vezes, com a designação de “Gospel Music”, mas são coisas
diferentes, sendo esta última uma evolução daquela. O “Gospel” canta-se
coletivamente numa Igreja, os “Spirituals” nas grandes plantações e em tudo o
mais onde houve lugar à exploração de uma mão-de-obra escrava.
É uma música de
trabalho ligada aos ritmos e aos longos rituais da vida no trabalho. Enquanto o
“Gospel” exige, quase sempre, um acompanhamento instrumental, os “Espirituais”
são cantados “a capella”, muitas vezes em termos de “chamada” e “resposta”,
isto é, uma só ou poucas vozes a fazer um apelo e um grande coro a reagir. Como
acompanhamento, um simples bater de mãos e de pés no chão.
Embora em alguns
“Espirituais” se possam, por vezes, discernir alguns apelos à libertação
através de uma fuga (“Wade in the Water”, “Down by the Riverside”, “Follow the
Drinking Gourd”,....), esta não é uma música de intervenção que apele à
libertação do escravo através de uma rebelião individual e, muito menos,
coletiva. Quanto muito, como vos disse, a uma fuga isolada através do
“Underground Railroad”, como então se chamava
à rede de caminhos escondidos através dos quais os escravos tentavam a sorte de
uma fuga para o Norte...
Cantar era uma
maneira de manter a esperança em melhores dias face a um tratamento quotidiano desumano,
mas para quem canta a salvação não é obtida através da luta dos homens, mas
pela intervenção de um Deus divino. Como uma vez vi escrito já não me lembro
bem onde, ao contrário do “Blues”, que fazia um apelo ao Humano (“Oh Mister,
let me be...”) o “Espiritual” fazia um apelo ao Divino (“Oh God, let me
go....”). E é por isso que esta música tanto se aproxima de uma oração.
Voltando então à
nossa conversa sobre George White, era esta a música que ele ouvia quando à
noite fazia as suas deambulações por entre as tendas onde dormiam os
estudantes, e surgiu-lhe a ideia de juntar essas músicas àquelas de origem
europeia que o seu Coro já cantava.
Mas a reação dos
jovens negros começou por não ser muito favorável. Para eles, essas músicas que
tinham aprendido de seus pais, e estes de seus avós, tinham uma natureza
demasiado intima para que pudessem ser cantadas
assim em público, à guisa de espetáculo... Eram “secret songs” relacionadas com
um passado triste que desejavam, acima de tudo o mais, esquecer rapidamente.
George White, com a
ajuda de uma estudante mais velha, Ella Sheppard, que viria a tornar-se sua assistente,
não desistiu da ideia e com persuasão conseguiu convencê-los a incorporar esses
“Spirituals” no repertório habitual do Grupo Coral. E, com a ajuda de Sheppard
e de outros ex-escravos mais velhos que trabalhavam para a Escola, conseguiu
coligir e passar a papel de música um número muito significativo de temas que
constituíram um dos primeiros levantamentos deste tipo de Música nos Estados Unidos. E só não foi
mesmo o primeiro porque poucos anos antes, em 1867, já tinha sido publicada
esta antologia, “Slave Songs of the United States”, que aqui vos mostro e que tenho
na minha coleção (é fácil encontrá-la na Amazon...), essa sim a pioneira.
E estava-se então
nesta fase, com o Coro a assimilar o seu novo repertório de “Spirituals”com
alguns arranjos “à europeia”, quando uma ideia passou pela cabeça de George
White, como forma de ajudar a Escola a obter o dinheiro de que tanto
necessitava. Porque não pegar nas melhores vozes do seu Grupo Coral e levá-las em
digressão pelo País fora, em atuações públicas...? A grande América dos Estados
do« Norte desconhecia a existência desse tipo de Música e, quem sabe, ela poderia
tornar-se um sucesso. Junto da “American Missionary Association” e dos
Responsáveis da “Fisk School”, a proposta de White não poderia ter tido pior
receção. Que um bando de negros maltrapilhos a cantar em público seria motivo de
chacota nacional e que a iniciativa surtiria, certamente, efeito contrário,
expondo a Escola ao ridículo...
Mas o certo é que não
iriam surgir outras propostas para angariar dinheiro que merecessem maior credibilidade,
e George White acabou por obter luz verde para a sua iniciativa.
E foi assim, no meio
de um enorme ceticismo, que o Tesoureiro George White e nove dos seus melhores cantores
escolhidos a dedo (cinco raparigas e quatro rapazes) tomaram o comboio a
caminho de Cincinnati no dia 6 de Outubro de 1871. Não conseguiam disfarçar o
seu aspeto muito pobre e o seu ar faminto, e iam mal agasalhados, sobretudo
tendo em atenção o frio que os esperaria nos Estados do Norte.
A primeira atuação,
em Cincinnati, não correu muito bem. Foram bem recebidos, mas a assistência era
escassa e o parco rendimento obtido não cobriu, sequer, as despesas de organização,
alimentação e alojamento do grupo.
Um segundo concerto
correu um pouco melhor, mas o grupo decidiu que o parco rendimento de 30 dólares
deveria ser doado às vitimas do grande incêndio de Chicago, que tinha ocorrido
uns meses antes.
Em Oberlin, no Ohio,
deixaram-nos cantar nos intervalos de uma Conferência religiosa, e os elogios
que receberam deixaram-nos mais entusiasmados em relação ao futuro.
Entretanto e porque
era necessário encontrar um nome que os identificasse, George White decidiu chamar-lhes
“The Jubilee Singers”, nome de inspiração bíblica.
A viagem ainda estava
no seu início mas todo o grupo já se tinha apercebido de uma dura realidade. O racismo,
que se diria apanágio dos Estados do Sul estava, afinal, bem vivo no Norte.
Nos caminhos de
ferro, nos restaurantes, nos hotéis por onde passavam, as reações a um grupo de
nove negros de aspeto pobre e ar faminto nem sempre foram as melhores.
E foi assim que à
chegada a Nova Iorque não houve quem lhes concedesse alojamento.
Valeu-lhes um Padre,
Henry Beecher, que levavam como referência. Aceitou alojá-los nas instalações
da própria Igreja onde iriam atuar e esforçou-se por divulgar amplamente, junto
dos fieis, a primeira atuação que iriam ter.
O apelo do Padre
Beecher surtiu efeito.
Não só a atuação teve
casa cheia e entusiástica como, por apelo do Padre em pleno concerto, muito foi
o material de mobiliário e outro que foi doado à Escola, para melhorar as suas
instalações.
O mote estava dado e
o enorme sucesso dessa primeira atuação em Nova Iorque proporcionou não apenas alguns
laudativos artigos na Imprensa, como também, o que foi ainda mais importante, a
passagem de informação “boca a orelha” por parte de quem a ela assistiu.
O sucesso estava
garantido e os espetáculos seguintes, em diversos locais de Nova Iorque,
tiveram sempre lotação esgotada, repetindo-se a cena nas diversas Igrejas,
teatros e salas de espetáculo onde viriam a atuar nas seis semanas que se
seguiram.
Os rendimentos subiam
em flecha e um só espetáculo em New Jersey rendeu-lhes 745 dólares.
Para além das
atuações, começaram a vender, também, as folhas de música das suas canções, o
que lhes proporcionou uma mais ampla divulgação, permitindo que elas passassem
a ser cantadas, também, nos lares de quem as comprava.
Mas, apesar de tudo
este sucesso, as manifestações de racismo mantinham-se.
Uma vez foram aceites
num hotel porque o gerente pensou que se tratava de “minstrel singers”, ou
seja, de brancos com o rosto pintado de negro. Mas quando se apercebeu que se
tratava de negros autênticos, foram despejados à força...
Mas a grande
diferença é que agora, sempre que um hotel lhes recusava alojamento,
imediatamente um mecanismo de solidariedade funcionava e algumas casas da alta
sociedade local se ofereciam para os alojar.
Em New England os
espetáculos renderam entre 1.000 e 1250 dólares cada um e quando em Março de 1872
o grupo regressou, exausto, a Nashville, tinha não só pago a totalidade das
dívidas da “Fisk School”, como angariado 20.000 dólares suplementares que
permitiram a aquisição de um novo terreno para a construção de novas
instalações para a Escola.
Ciente da sua
“galinha de ovos de ouro”, a “Fisk School” deu aos membros do Coro muito pouco
tempo de descanso antes de os enviar outra vez para a estrada, num novo e mais
ambicioso plano de digressões.
Em Filadélfia
cantaram para uma multidão de 40.000 pessoas, muitas das quais inicialmente
hostis mas que acabariam por se render à qualidade da música e dos seus
intérpretes.
Mas não obstante o
sucesso que obtinham, alguns jornais persistiam em satirizá-los e a descrever
as suas características físicas como se de um catálogo de venda de escravos se
tratasse. Isto indignou alguns notáveis americanos que não só lhes entregavam
pessoalmente cartas de referência, como também faziam questão de os elogiar
na própria Imprensa. É daí que vem, como exemplo, a citação de Mark Twain que utilizei
como epigrafe.
Na Primavera de 1873
regressavam a Nashville com mais 20.000 dólares acumulados e poucas semanas depois
estavam a atravessar o Atlântico para uma prolongada digressão pelo Reino
Unido.
No dia 6 de Maio
atuaram perante importantes figuras da nobreza local e no dia seguinte foram convidados
para atuar no “manor” de um tal “Duke of Argyl” onde, para enorme surpresa de
todos, vieram a constatar que entre a assistência se encontrava a própria
Rainha Vitória, que gostou tanto de os ouvir que não parou de os elogiar no seu
país e no estrangeiro, junto dos seus parentes que ocupavam lugares de destaque
nas diversas Cortes europeias ainda existentes.
O sucesso que tiveram
no Reino Unido foi assombroso. As pessoas comportavam-se com eles como o fazem
hoje com os artistas Pop... Enchiam as estações de comboio à sua espera, para
os poderem ver e tocar... Faziam bicha à porta das salas de espetáculo para
conseguirem um bilhete e, depois, para os verem sair...
Compravam as folhas de canções e outras publicações contendo a sua história...
Perdiam-se de amores pelos cantores e pelas cantoras, a quem chegaram a
apresentar propostas de casamento...!
Num País que, por
essa altura, estava muito mais habituado a importar os grandes sucessos da
Europa (companhias de Ballet, de Teatro, cantores de Ópera, artistas de
“Vaudeville”, etc) do que a exportar os seus próprios intérpretes, os “Fisk
Jubilee Singers” foram as primeira “vedetas Pop” e o primeiro agrupamento
musical a ter um verdadeiro sucesso além-fronteiras.
Regressaram a
Nashville em 1874, com um lucro acumulado de 50.000 dólares, que permitiu a
construção do “Jubilee Hall”, o primeiro edifício de raiz do novo “campus”
universitário.
Mas por esta altura
começaram os problemas... Um dos cantores optou por fugir à segregação na América
e aceitou uma proposta para ficar como aluno/cantor numa Universidade inglesa.
Uma das raparigas, contralto, esforçou de tal maneira a sua voz que a perdeu,
de vez... Outro dos rapazes entrou em conflito com
George White acerca da gestão do Grupo, e saiu... Os restantes começavam a
tomar consciência do seu valor e do facto de estarem a ser explorados pela “Fisk
School”, e exigiram ser pagos como profissionais, porque era assim, e não como
estudantes, que tinham vivido os últimos tempos da sua vida.
E, no meio de tudo
isso, os “Fisk Jubilees”, como seria de esperar perante o seu sucesso cultural
e financeiro, começaram a ser imitados, e grupos de “Jubilees” e “colored
singers” surgiram um pouco por todo o lado, muitas vezes associados a
universidades fictícias.
Em 1875 um renovado
Grupo, sempre chefiado por George White, fez mais uma acalorada “tournée” pelo Reino
Unido, a que se seguiu, já em 1876, uma viagem à Holanda, na qual atuaram
perante a Rainha. A língua não foi obstáculo e o sucesso público que tinham
obtido no Reino Unidos repetiu-se na Holanda, com multidões em fúria para os esperar e os
aclamar.
O sucesso continuava
tão grande e os rendimentos tão avultados que o próprio Presidente da “Fisk School” interrompeu a
sua atividade docente e veio para a Europa ajudar George White na gestão do Grupo
e na logística dos espetáculos.
E começaram a
esticar, ainda mais, a corda...
Da Holanda foram para
a Alemanha, depois para Bélgica, França, Suíça e até uma “tournée” pela Austrália
já estava em equação...
Até que a coisa
começou a descarrilar...
Uma das raparigas,
outra contralto, teve um problema cardíaco que a impediu de continuar.
O próprio White não
resistiu aos problemas de reumatismo de que padecia e também se viu obrigado a antecipar
o regresso aos Estados Unidos, em Maio de 1878, deixando o grupo entregue à
responsabilidade da sua adjunta, Ella Sheppard.
Uma pequena rebelião
instalou-se, então, no Grupo, com um rapaz, que se julgava o “cabeça de
cartaz”, a não aceitar as ordens de Sheppard, e com outro a recusar-se a
cantar, por esgotamento, no dia do último concerto na Europa, a 1 de Julho de
1878.
E assim terminava a
história dos primeiros e heroicos “Fisk Jubilee Singers”.
Estas raparigas e
estes rapazes cantaram durante sete anos consecutivos, na maior parte do tempo
longe das suas famílias e dos seus amigos.
Impediram a “Fisk
School” de se desmoronar, que era o destino que, certamente, a esperaria.
Encheram os cofres da
depauperada “American Missionary Association”, e permitiram-lhe prosseguir as suas
ações, não só em Nashville, mas por todo o pais.
Contribuíram,
certamente, para a melhoria da situação financeira da “United Church of Christ,
velha parceira da “Fisk” em Nashville.
E, no meio de tudo
isto, puseram em causa a sua formação escolar já que, com uma única exceção, nenhum
deles regressou às aulas e se graduou.
Até podem ter ido
remunerados nos seus últimos tempos mas, no geral, eu diria que prosseguiram a
sua triste sina de escravos, continuando a ser explorados por outras formas e
sob um rosto talvez um pouco mais humano.
Mas a eles se fica a
dever a divulgação dos “Espirituais Negros” junto de uma classe média americana
e europeia, que ainda hoje aceita muito melhor esta música do que, por exemplo,
o “Blues” e o “Jazz”. Foi, com efeito, graças a eles que a música negra começou
a ser ouvida e apreciada por grandes audiências fora do Sul, de uma
forma tal que ainda hoje o nome “Jubilees” é quase sinónimo de “Spirituals”.
O que estas raparigas
e estes rapazes fizeram pela dignificação da Cultura do seu Povo teve, na
verdade, um valor incalculável.
Terá isso contribuído
para que o Negro passasse a ser encarado com outro respeito e outra consideração...?
Infelizmente, sabemos que não...
Com diferentes
formações, os “Fisk Jubilee Singers” não mais pararam, até aos dias de hoje, e
continuam a ajudar, cultural e financeiramente, a sua Universidade.
Com novos elementos,
George White organizou um novo grupo logo em 1879 e deu com ele, anos mais tarde,
uma volta ao Mundo.
Em 1909 os “Fisk
Jubille Singers” foram aos estúdios da Victor Talking Machine Company”, em New Jersey,
e gravaram, entre outros “Espirituais”, “Swing Low Sweet Chariot, que em 2002
foi escolhida pela Biblioteca do Congresso para integrar o “United States
National Recording Registry”, assim uma espécie de “Panteão do som” nos Estados
Unidos.
E tiveram boa
companhia nesse ano, porque foi o ano em que também entraram, entre outras,
“This Land is your Land”, de Woody Guthrie, “Blue Moon of Kentucky”, de Bill
Monroe, as gravações que Elvis Presley fez para a “Sun Records” em 1954/55 e as
gravações que a “Victor Talking Machine Company” fez em Bristol, West Virginia,
em 1927, que foram determinantes para o desenvolvimento da “Country Music” nos
EUA. Tudo coisas de que um destes dias vos falarei....
Em 2008 foi atribuída
aos “Fisk Jubilee Singers” a “National Medal of Arts”, a maior condecoração que
pode ser atribuída a um Artista nos Estados Unidos.
Como já atrás vos
disse, este Grupo é regularmente renovado, com a saída de uns e a entrada de
novos elementos, e manteve-se em atividade até aos nossos dias, sempre com enorme
sucesso em todos os locais onde atua.
Na parte que me diz
respeito, tomei conhecimento da existência dos “Fisk Jubilee Singers” nos anos oitenta,
através de um vinil da “Folkways” que comprei na saudosa Dargil, na Ava. 5 de
Outubro. Se não estou em erro (não o tenho à mão...) foi gravado com um coro de
meados dos anos 50.
Este CD que agora
aqui vos mostro, e que tem na sua capa os nove elementos do grupo inicial de
1871, foi gravado por estudantes do ano académico 2001-2002, um “ensemble” de
17 elementos, 8 raparigas e 9 rapazes.
E foi com tudo isto
na cabeça que deambulei pelas instalações da “Fisk University”e me cruzei com alguns
dos atuais alunos. Passeei pelos jardins, vi ao longe os edifícios históricos e
visitei com mais vagar a “Fisk Memorial Chapel”, construida em 1892 e
restaurada cem anos depois, em cujas instalações os “Jubilee Singers” ensaiaram
a atuaram durante décadas, até aos nossos dias. Aquele órgão que ali veem está
hoje avaliado em mais de dois milhões e meio de dólares...
Com muita pena minha
não pude visitar o Jubilee Hall, o edifício mais antigo da Universidade, onde poderia
ter visto, entre muitas outras coisas, o retrato do grupo que a Rainha Vitória
lhes ofereceu após o histórico concerto em Inglaterra, em Maio de 1873, e que
durante muitas décadas esteve exposto na “Memorial Chapel”.
Mas seria,
necessariamente, uma visita demorada e eu, uma vez mais, estava sem tempo...
Ainda tinha de ir visitar o “Country Music Hall of Fame & Museum”, o que,
infelizmente, acabei por ter de fazer já a passo muito acelerado.
Ainda deu para ver
muita coisa interessante, mas isso é assunto de que vos falarei noutra
oportunidade.
PS:
As informações que
vos dei respeitantes ao nascimento e aos primeiros anos de atividade dos “Fisk Jubilee Singers”
foram retiradas de um texto de Andrew Ward propositadamente escrito paraacompanhar
este CD. Ward é o autor de “Dark Midnight When I Rise –
The Story of The Fisk Jubilee.
Texto e fotografias
de Luís Miguel Mira
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