Porém não devemos esquecer o mar que é o princípio e o fim de todas as
coisas
coisas
É certo que nos dias de 1993 poucas pessoas ainda serão capazes
de imaginar os primeiros
tempos do mundo
Quando nenhum animal percorria a terra ou voava sobre ela
Quando nada que merecesse o nome de planta rompia o solo instável
Então a enorme caldeira do mar elaborava a alquimia da pedra filosofal
que tudo mudava em vida e
alguma coisa em ouro
Também para os dias de 1993 o futuro para além do futuro parecerá
impossível
impossível
Quando o mar cobrir os continentes gastos e a terra rebrilhar no espaço
como um espelho gelado
E outra vez nenhuma planta a não ser as algas marinhas nenhum animal
a não ser os mais pesados e já moribundos peixes
a não ser os mais pesados e já moribundos peixes
Agora os homens apenas procuram o mar para se alimentarem diante
da grande voz das ondas
E postos de joelhos em linha com os braços abertos recebendo no rosto a
fustigação do vento e da
espuma
Gritam ensurdecidos pelo estrépito a miséria extrema que por agora os
dispersa na terra
dispersa na terra
E quando enfim se calam assombrados pelo pavor que são capazes
de suportar
de suportar
O mar subitamente acalma e um lento murmúrio de um lado e do outro
reconsidera os factos
reconsidera os factos
Que em verdade não excluem uma maré renovada e uma coragem à medida
do tempo que passou desde a primeira de todas as mortes
do tempo que passou desde a primeira de todas as mortes
Sem o que não seria possível juntarem-se outra vez os homens e subirem
a escarpa a caminho da terra ocupada
a escarpa a caminho da terra ocupada
José Saramago em O Ano de 1993
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