Para assinalar os 10
anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar
alguns textos que por aqui foram sendo publicados.
LUIZ PACHECO, EDITOR
Os últimos anos de
vida, Luiz Pacheco passou-os em Lares de Terceira Idade.
Um desses lares,
penso que terá sido o primeiro, situava-se em Palmela:
Era um lar no meio de uma serra, com o ar puríssimo de
Palmela, uma construção nova, em arco, sem vizinhança, sem casas à volta… Era
muito bonito… Fui para lá logo quando aquilo começou… no início, a fase da
promoção, serviam um bacalhau altíssimo, as torradas pareciam as das
pastelarias da Baixa, dois andares de torradas, molhadas em manteiga, o café
com leite vinha com dois pacotes de açúcar… depois, um dia começou a aparecer
só um pacote, vieram as economias,,, as torradas passaram a ter só um andar com
uma lambidela de margarina… Agora este aqui, do Príncipe Real, já se aproxima
mais da generalidade. Por exemplo as giletes que eles dão algumas já barbearam
mortos. Tu não fazes ideia,,, Isto é um armazém de pré-cadáveres, é uma parada
de monstros.
Num qualquer livro
que comprara do Pacheco, encontrava-se um Bilhete-Postal-Porte-Pago para
inscrição como assinante da Contraponto.
Foi assim como me
constituí como o Assinante nº 84 e passei a receber, pelo correio,
todos os livros editados pela Contraponto.
Um dia soube que a
sogra do Santos Costa estava nesse lar de Palmela e sugeri que fizesse uma
visita ao Pacheco e se constituísse, para poupar tempo e os portes, como
portador dos livros. Livro na mão, pagamento feito pelo Santos Costa.
Entretanto a sogra do
Santos Costa morreu e eu perdi o meu correio privilegiado.
Um dia, Novembro de
1998, recebi pelo correio, mais um livro do Pacheco, o Prazo de Validade.
Lá dentro um recado
manuscrito:
Você é uma jóia de pessoa, mas é um CRAVA do pior.
Agora que aquele senhor não vem aqui já (faleceu a D. Celeste), ou V. me envia
2.000$00 ou é saneado do meu ficheiro de assinantes.
O Santos Costa
garantiu-me que todos os livros que trouxera de Palmela tinham sido pagos.
Mandei uma amável
carta ao Pacheco, perguntando-lhe qual o livro que ficara por pagar.
Resposta em
Pachecal-Postal:
Desfazia-se em
desculpas. Tinha-me confundido com um assinante do Porto e adiantava que era
capaz de enganar muita gente nunca um dos seus assinantes.
O Postal é o que aí
está, e Pacheco deixou recado manuscrito:
Pegue nesta miúda e leve-a para o MECO.
Mais tarde, enviado
pelo Pacheco, recebi um pacote contendo três livros e um recado, escrito a
esferográfica verde:
Estão aqui uns livrecos, que certamente já terá, e se
assim for, ofereça-os a um amigo.
Não tem de pagar nada. Você é um compincha.
Desconcertante este
Pacheco.
Razão plena quando
dizia: a Contraponto sou eu!
Nota do Editor:
a descrição do lar de Palmela é tirada de uma entrevista dada a João Pedro
George e incluída em OCrocodilo Que Voa.
Texto publicado em 16
de Agosto de 2014
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