sábado, 27 de junho de 2020

NA PRIMAVERA TEM INÍCIO O NAMORO


O açor que eu ia buscar fora criado num aviário perto de Belfast. Criar açores não é para fracos. Tive amigos que tentaram e desistiram ao fim de uma época, coçando as cabeças cheias de novos cabelos brancos numa espécie de torpor pós-traumático. «Nunca mais», dizem eles. «A coisa mais stressante que já fiz na vida». Experimen-tem e vão descobrir que há uma linha ténue entre a excitação sexual do açor e a violência terrível e mortal. Temos de vigiar as nossas aves constantemente, supervisionar o seu comportamento, estar a postos para intervir. Não serve de nada pôr um casal de açores num aviário e deixá-los lá. Na maior parte dos casos a fêmea irá matar o companheiro. Por isso, é preferível alojá-los em aviários separados, mas contíguos, de paredes sólidas, com uma grade entre eles para que o casal se possa ver. Quando o inverno der lugar à primavera tem início o namoro, como Píramo e Tisbe, através de uma abertura na parede com chamamentos, exibições, baixando as suas asas azul-pálidas e enfunando as coberturas infracaudais, semelhantes a um par de grandes penas de marabu, e só quando, a fêmea parece pronta – uma avaliação subtil que não admite erro -, se deixa entrar o macho na câmara de acasalamento. Se tudo correr bem, acasalam, a fêmea põe ovos, e uma nova geração de açores criados em cativeiro, crias cobertas por uma penugem branca, com olhos turvos e garras minúsculas, faz a sua entrada no mundo.

Helen Macdonald em A de Açor

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