O açor que eu ia buscar fora criado num aviário perto
de Belfast. Criar açores não é para fracos. Tive amigos que tentaram e desistiram
ao fim de uma época, coçando as cabeças cheias de novos cabelos brancos numa
espécie de torpor pós-traumático. «Nunca mais», dizem eles. «A coisa mais stressante
que já fiz na vida». Experimen-tem e vão descobrir que há uma linha ténue entre
a excitação sexual do açor e a violência terrível e mortal. Temos de vigiar as
nossas aves constantemente, supervisionar o seu comportamento, estar a postos
para intervir. Não serve de nada pôr um casal de açores num aviário e deixá-los
lá. Na maior parte dos casos a fêmea irá matar o companheiro. Por isso, é
preferível alojá-los em aviários separados, mas contíguos, de paredes sólidas,
com uma grade entre eles para que o casal se possa ver. Quando o inverno der
lugar à primavera tem início o namoro, como Píramo e Tisbe, através de uma abertura
na parede com chamamentos, exibições, baixando as suas asas azul-pálidas e
enfunando as coberturas infracaudais, semelhantes a um par de grandes penas de
marabu, e só quando, a fêmea parece pronta – uma avaliação subtil que não
admite erro -, se deixa entrar o macho na câmara de acasalamento. Se tudo
correr bem, acasalam, a fêmea põe ovos, e uma nova geração de açores criados em
cativeiro, crias cobertas por uma penugem branca, com olhos turvos e garras
minúsculas, faz a sua entrada no mundo.
Helen Macdonald em A de Açor
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