13 de Julho de 1966
Hoje, às 8 da manhã, já eu estava debruçado da varanda
da sala, a ver deslizar as gentes de carne de trabalho que se dirigiam para a
escravatura diária nas fabriquetas próximas do Bairro Industrial de Alvalade,
onde moro). Operários de ganga surrada, empregadotes de lancheiras (que
reforçam a solidão) e raparigas, muitas raparigas a sacudirem as ancas para
serem raparigas. Alguma bonitas, maior número de feias e quase todas graciosas
nos seus vestidos de fazendas de miséria, comprados a prestações.
Aqui e ali pares de namorados a aproveitarem a
frescura da manhã para as mãos torcidas dos idílios…
Perto das nove, porém, a paisagem humana foi-se
alterando.
Começaram a dobrar as esquinas os burocratas da A.E.G.
mais dormidos e calmos. Divisei até várias alemãs pernudas… E um ou outro
director a fechar, solene, a porta do carro e a pisar a rua com a dignidade de
naturalizá-la germânica…
Depois tudo adquiriu o ritmo das horas vulgares do
dia… E sentei-me a devorar o pequeno-almoço, entristecido por não sei que
sensação de existirem no mundo pessoas a mais que banalizavam até à
mediocridade os sentimentos e as paixões, impossíveis de dividir por tanta
gente.
Urgência de rebentar horários…
José Gomes Ferreira em Dias Comuns I Volume
Legenda: José
Gomes Ferreira viveu desde 1956 na Avenida Rio de Janeiro no nº 33 2º andar
esquerdo.
1 comentário:
E na Avenida Rio de Janeiro à porta do nº 33 lá está uma placa a assinalar o facto..
Enviar um comentário