Corre Novembro
de 1962. Mário-Henrique Leiria já sabe que a sua Isabelinha, Maruska perdida
já casou com o tal irlandês e foi viver para Londres.
O
poeta-guerrilheiro está em São Paulo Brasil, a contas com problemas de amor,
com problemas com a polícia política:
«A minha situação resume-se muito simplesmente em dois
pontos: ou fico detido sem poder sair do Brasil, ou sou extraditado e entregue
à PIDE… das duas, prefiro a segunda; ou menos sempre vou ter oportunidade de
rever a terra dos meus camponeses e poder levar porrada, mas dar também alguma…»
Outra citação da
carta, datada de 14 de Novembro:
«Olha Isabel, sinto-me quase ignóbil por te escrever
desta maneira, mas tinha que o fazer, tenho que o fazer, valha-me o Deus dos
Infernos, se não dou um estoiro, aquele imenso estoiro do sapo que quis ser lua…
Uma coisa tens tu que fazer: ler esta carta integralmente ao teu marido. Não
quero (ou por outra, não desejo; não posso querer nada em relação a ti), não
desejo que tenha o menor segredo para com o teu companheiro. E o ele saber que
há outro homem que ama também a mulher dele não deve ofendê-lo, se tiver a
certeza que esse homem é um vagabundo, um lobo solitário mas um ser humano
totalmente decente e digno, e um comunista que acredita profundamente que não
pode ser um traidor a ninguém e que, acima de tudo, respeita profundamente o
direito e o amor dos outros.
(…)
Se me amasses bastante, tinhas-me procurado; assim
procuraste a tua felicidade, e ainda bem para ti, doce Isabel. Amar é tão
complexo, querida! Creio que fiz o que devia, tanto para ti como pela
Dietlinde, a minha Dietlinde, Os lobos solitários nunca mordem uma loba, apenas
se atiram contra a alcateia.
Olha Isabel, seria tão bom que alguém conseguisse ter
boa pontaria e me acertasse! Talvez volte para Cuba, de cuja milícia popular
sou agora tenente, depois do falhado bombardeamento dos americanos a Havana.
Talvez o fala, Isabel, mas não sei e não o creio. Ando desorientado e só sei
que “para vivir de rodillas vale más morir de pie”, como nós cantávamos na 5ª
Brigada Internacional, quando eu tinha 16 anos e acreditava que a vida era uma
coisa maravilhosa.
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