Não aprendi nos
livros qualquer receita para a composição de um poema; e não deixarei impresso,
por meu turno, nem sequer um conselho, modo ou estilo para que os novos poetas
recebam de mim alguma gota de suposta sabedoria. Se narrei neste discurso
alguns sucessos do passado, se revivi um nunca esquecido relato nesta ocasião e
neste lugar tão diferentes do sucedido, é porque durante a minha vida encontrei
sempre em alguma parte a asseveração necessária, a fórmula que me aguardava,
não para se endurecer nas minhas palavras, mas para me explicar a mim
próprio.
Encontrei, naquela
longa jornada, as doses necessárias para a formação do poema. Ali me foram
dadas as contribuições da terra e da alma. E penso que a poesia é uma acção
passageira ou solene em que entram em doses medidas a solidão e solidariedade,
o sentimento e a acção, a intimidade da própria pessoa, a intimidade do homem e
a revelação secreta da Natureza. E penso com não menor fé que tudo se apoia - o
homem e a sua sombra, o homem e a sua atitude, o homem e a sua poesia - numa
comunidade cada vez mais extensa, num exercício que integrará para sempre em
nós a realidade e os sonhos, pois assim os une e confunde. E digo igualmente
que não sei, depois de tantos anos, se aquelas lições que recebi ao cruzar um
rio vertiginoso, ao dançar em torno do crânio de uma vaca, ao banhar os pés na
água purificadora das mais elevadas regiões, digo que não sei se aquilo saía de
mim mesmo para se comunicar depois a muitos outros seres ou era a mensagem que
os outros homens me enviavam como exigência ou embrazamento. Não sei se aquilo
o vivi ou escrevi, não sei se foram verdade ou poesia, transição ou eternidade,
os versos que experimentei naquele momento, as experiências que cantei mais
tarde.
De tudo aquilo,
amigos, surge um ensinamento que o poeta deve aprender dos outros homens. Não
há solidão inexpugnável. Todos os caminhos conduzem ao mesmo ponto: à
comunicação do que somos. E é necessário atravessar a solidão e aspereza, a
incomunicação e o silêncio para chegar ao recinto mágico em que podemos dançar
com hesitação ou cantar com melancolia, mas nessa dança ou nessa canção
acham-se consumados os mais antigos ritos da consciência; da consciência de
serem homens e de acreditarem num destino comum.
Pablo Neruda em Nasci para Nascer
3 comentários:
Excelente reflexão sobre a poesia e a vida, Sammy.
Que se aproxima a espaços destes nossos "tempos de solidão"...
Sim Luís, uma belíssima reflexão que faz parte do discurso que Neruda pronunciou por ocasião da entrega do Prémio Nobel de Literatura.
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