sexta-feira, 1 de maio de 2020

DIÁRIO DOS DIAS DIFÍCEIS


Passaram hoje 130 anos sobre as greves e manifestações do operariado norte-americano, principalmente na zona de Chicago, pela redução do horário de trabalho para oito horas diárias e 48 semanais no máximo.
Assim nasceu o Dia do Trabalhador.

1.

Rui  Manuel Amaral no seu blogue Bicho Ruim:

«O meu pai faz hoje 80 anos. Agora não tenho tempo para contar a história da vida do meu pai, mas posso pelo menos dizer que é um digno representante da velha classe trabalhadora. Reformou-se tarde e continuaria a trabalhar se lho tivessem deixado. Como tantos outros, nunca soube o que fazer ao «tempo livre». Se um homem nasce é para trabalhar. É uma questão de honra, dignidade, enfim, de respeito. Hoje, 1.º de Maio, é o dia dele, o dia do velho trabalhador. Devíamos estar juntos, como sempre aconteceu neste dia, mas o vírus fechou-nos em casa. Sem bolo, sem velas, sem bandeiras vermelhas.»

2.

Também o posso dizer: o meu pai reformou-se tarde e nunca quis que isso acontecesse. 

Deixaram-no trabalhar até onde lhes foi possível que isso acontecesse.

Ao longo da vida foi juntando os livros, os discos necessários para que não lhe acontecesse um qualquer vazio.

Como ele muitas vezes me disse: as coisas não são bem como a gente pensa e planeia.

Há sempre um raio de um qualquer vazio que não se sabe como preencher.

Há gritos que vêm dos tempos da infância e marcam toda uma vida.

3.

Sempre gostei de cinema.

Mas pouco sei de cinema, melhor diria se dissesse que não sei nada de cinema.

Delicio-me, bebo as palavras, quando o Luís Miguel Mira começa a desfiar filmes e memórias.

Nasci e cresci num pedaço da cidade rodeado de cinemas, a maior parte os chamados cinemas de «reprisse». 

Já os enumerei mas repito: Cine Oriente, Royal, Max, Imperial, Rex.

A três homens devo saber ver os filmes, os actores, os realizadores, por outros prismas: João Bénard da Costa, Manuel Cintra Ferreira. Manuel S. Fonseca.

Os dois primeiros foram ver filmes para outras galáxias, o terceiro está por aí vivo da costa, a escrever como só ele sabe escrever e é editor da Guerra &Paz. Faz livros carotes, mas os editores dizem sempre  que não é para rechear a conta bancária, mas porque é assim mesmo: saem caros. Acredite-se.

Deixou este bocadinho no seu blogue  e –porra! – acreditem no que o homem diz.

Eu que não entro numa livraria desde o dia 23 de Fevereiro, e só eu sei o que isto me tem feito mal à cuca.

Por cuca, saberá o Manuel S. Fonseca melhor que eu, que era uma cerveja made na salazarenta Angola.

Ah! se voltasse aos tempos em que esvaziava Cucas estupidamente geladas!...

Mas transcreva-se lá o textinho:

« Nasci em Vale de Madeira, aldeia ao lado de Pinhel. Menino, vivi no Sambilas, musseque de Luanda. O livro salvou-me a vida. Por ser conhecimento, o livro dá a quem o lê uma vida mais rica.  É científico: a neurobiologia atesta o efeito da leitura no cérebro. Ler romances, ler poesia dá conhecimento. E enche-nos de prazer: o livro oferece aventura, empatia humana, expande o imaginário, erotiza a vida. Ganhamos experiência, visitamos mundos que existem e mundos que ainda hão de vir. O livro faz do leitor um deus e dá-lhe delícias que rivalizam com prazeres de mesa e cama juntas. Tenha piedade do seu espírito: compre e leia livros.»

4.

Lorna Breen, de 49 anos, era dircetora clínica do departamento de emergência do
Allen-Newby-Presbiteriano em Manhattan, Nova Iorque. 

Os colegas disseram ao The New York Times que, na luta contra o Corvid-19, Lorna Breen trabalhava arduamente.

Adoeceu e, contra o conselho médico e familiar, voltou ao trabalho.

Em finais de Abril, suicidou-se.

De repente salta-nos que Nova Iorque não será bem aquela visão poética que temos, vinda dos filmes, dos livros, das músicas.

Sabemos dos sem-abrigo, sabemos dos que não tendo seguro, não são admitidos para tratamento e muitos acabam por morrer, sabemos, agora das incapacidades para cremarem e enterrarem os seus mortos, sabemos do gangster que preside ao país, dos disparates que sobre a pandemia tem lançado aos quatro ventos.

Algo transtornou Lorna Breen, o seu dia a dia ter-se-á tornado insustentável e não encontrou outra escapatória.

Não basta bater palmas aos médicos, aos enfermeiros, ao restante pessoal, que nos prestam assistência médica.

5.

Os negros números:

Portugal ultrapassou as mil mortes. Regista 1.007 óbitos.

Estados Unidos: 62.906 mortos
Itália: 28.236 mortos
Grã-Bretanha: 227.510 mortos
França: 24.594 mortos
Espanha: 24.543 mortos

Em todo o mundo já morreram 237.647 pessoas. 

Quanto à música para hoje, não existiram dúvidas.


Legenda: 1º de Maio, hoje, na Alameda, de acordo com as regras da pandemia

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