sábado, 2 de maio de 2020

AYRTON SENNA DA SILVA


Ayrton Senna morreu há 16 anos.

Lembro-me como se fosse hoje. Era Domingo, Dia da Mãe, de Fórmula 1 e de Festa do 1º de Maio na Alameda. Na altura, por esta ordem de importância, os Camaradas que me perdoem…  

Deu para ver tudo em direto mas sem som, porque a almoço era em honra da minha Mãe e da Mãe das minhas filhas.

Confesso que, naquele momento, não fiquei demasiado inquieto. 

Diziam que se tinha visto Ayrton movimentar a cabeça, o que era bom sinal,  e naquela curva Tamburello já tinha assistido a acidentes muito mais espetaculares, como o de Piquet em 1987 e o de Gerhard Berger em 1989, este último com direito a incêndio, sem consequências físicas de extrema gravidade para os pilotos.


Mas a verdade é que o fim de semana de Imola não estava a correr nada bem.

Nessa época de 1994 a FIA tinha introduzido novas regras impondo a retirada dos apoios eletrónicos à condução e os carros estavam mais difíceis de guiar, tendo-se Ayrton queixado disso mesmo a propósito do seu Williams- Renault F16.  Nos treinos livres de sexta-feira  Rubinho Barrichello tinha voado de forma espetacular contra as vedações na “chicane” que antecede a reta da meta e o austríaco Roland Retzemberger também tinha sofrido um grave acidente nos treinos cronometrados da véspera, acabando por falecer...  

Mas eu não podia passar o Dia da Mãe agarrado à televisão e lembro-me de a ter apagado de vez, convencido que Ayrton teria saído muito mal tratado do acidente, porventura com graves lesões nas pernas, mas nada que me levasse sequer a sonhar com o que viria a acontecer. 

Voltei a ligar a televisão para ver o final da corrida, com aquela cena muito triste de um Michael Schumacher esfuziante a festejar no pódio, como se aquele tivesse sido um fim de semana igual a todos os outros… Mas de Senna não havia mais notícias…


Cerca de uma hora depois, quando me preparava para estacionar o carro na Barão de Sabrosa para ir ter com o meu Amigo Hugo que, como era habitual, estava de serviço às febras na Alameda, na tenda do Sindicato, a terrível notícia chegou-me via rádio pela voz de uma locutora brasileira: Ayrton Senna tinha acabado de falecer no Hospital de Bolonha. Um cabo da suspensão do seu Williams atravessou o capacete e perfurou-lhe o cérebro, veio a saber-se mais tarde.

E essa  Festa na Alameda já não foi como outras... 

Por ironia do destino, poucos meses antes tinha estado perto de Ayrton Senna. A Williams-Renault tinha vindo treinar ao Autódromo do Estoril no início do ano e eu, que por essa altura já tinha honras de Comité de Direção da Fábrica, meti uma cunha e consegui um convite da Direção Geral  para espreitar parte desses treinos. Com rigorosas instruções para não entrarmos nas “boxes”, não falarmos com ninguém nem perturbarmos o trabalho da equipa, que eles no final viriam trocar algumas palavras connosco. Ayrton Senna não apareceu…


Apenas um sinal da sua personalidade, que não era, de facto, de grandes simpatias. E se era, não as exteriorizava facilmente. Sempre muito sério, tinha aquele ar de que “todos lhe devem e ninguém lhe paga”…

Ao início não nutria, de facto, grande simpatia por Ayrton Senna. Preferia-lhe, de longe, o compatriota Nelsinho Piquet.

Pareciam ser a antítese um do outro. Nelson Piquet sempre sorridente, brincalhão e disposto a largar uma piada, por vezes até de mau gostou como quando uma vez deixou sair boca fora “Ayrton não gosta de mulher…!”.  O outro vingou-se, enrolando-se com a Xuxa e dando a entender que já tinha feito o mesmo com a mulher de Nelson… Enfim, o lado anedótico e menos saudável da F1…


Mas o que Nelson Piquet não fez, ao contrário do que constou, foi bloquear a entrada de Ayrton na Brabham, em 1984. Foi o patrocinador de então, a Parmalat, que deu preferência a um italiano, Teo Fabi.

Já Ayrton não se pode gabar do mesmo, porque veio a saber-se que tinha vetado a entrada de Derek Warwick na Lotus em 1986, com o argumento de que a equipa não tinha condições para disponibilizar duas viaturas competitivas a dois pilotos distintos.

Mas simpatias à parte, rapidamente me apercebi das enormes qualidades de Ayrton.


No seu ano de estreia na F1 fez milagres com um pouco competitivo Toleman-Hart e parece-me que ainda estou a vê-lo no Mónaco em 1984, seu ano de estreia na F1, sob chuva torrencial, a sair da 7ª fila, a passar por todos os que estavam à sua frente  e a começar a morder os calcanhares ao “leader” Prost, que cada vez que passava pela meta e via a distância entre ambos encurtar-se, esbracejava para que a Direcção da Corrida a desse por finda. Jacky Ickx, o Director, fez-lhe a vontade à 31ª volta e impediu uma vitória mais do que certa de Ayrton Senna.

Mas haveria de voltar-se o feitiço contra o feiticeiro. Nessa época de 1984  Prost perdeu o Campeonato para Niki Lauda por meio ponto… Se tivesse chegado ao final da corrida do Mónaco em 2º lugar teria obtido 6 pontos, mais dois do que os 4 que obteve com a corrida encurtada e os pontos reduzidos a metade. O suficiente para ser campeão do Mundo nesse ano...

Foi verdadeiramente aí, nessa tarde chuva,  que Ayrton começou a dar das vistas e nunca mais pararia de se evidenciar.


No ano seguinte passaria para a pouco competitiva Lotus, primeiro com as bonitas cores da John Player Special, e depois com o amarelo da Camel. Por lá andou durante três épocas, fazendo milagres com o fraco material que tinha à disposição e ganhando 6 Grandes Prémios (o primeiro dos quais em 1985 no Estoril, outra vez debaixo de chuva torrencial…)  e fazendo 16  “poles”. No  terceiro e último ano, com um carro um pouco mais competitivo, ameaçou os lideres Piquet e Mansell até à reta final do campeonato.

Em 1988 passou para a McLaren e outro galo cantou: 3 Campeonatos do Mundo,  35 vitórias em Grandes Prémios e 46 “pole positions”, nos 6 anos em que por lá andou. 

Em 1994, quando ingressou na “minha” Williams Renault, eu até já estava reconciliado com ele e não tinha dúvidas de que era o melhor piloto de todos quantos tinha visto na minha vida, e até hoje não mudei de opinião.


Outros (Schumacher, Hamilton, Vettel e Prost) ganharam mais corridas do que Senna, mas com material claramente superior ao da concorrência. E em número de “poles” Senna surge apenas em terceiro, mas com uma percentagem (40%) superior a Schumacher (22%), que está em segundo, e a Hamilton (35%), que está em primeiro.

Mas 1994 começou mal. “Poles” em todas as corridas, mas as duas primeiras acabadas fora da pista e uma distância de 16 pontos para o rival Schumacher.

Em Imola, naquele fim-de-semana de finais de Abril e início de Maio, Senna estava tenso.

Nas suas memórias o Prof. Sid Watkins, médico oficial da F1 durante muitos anos, conta que tinha visto Senna chorar no sábado, ao saber da morte de Ratzenberger, e na manhã do próprio dia da corrida, durante o minuto de silêncio que teve lugar no “briefing” dos pilotos.

A verdade é que Senna nunca tinha lidado tão de perto com a morte durante os anos em que esteve na Formula 1. A última morte em corridas  havia sido a de Ricardo Paletti, na largada do GP do Canadá de 1982, ainda Senna não tinha chegado à F1.

Vendo-o transtornado, Sid Watkins aconselhou-o a não correr nesse fim de semana, e até a parar durante uns tempos… Mas Senna respondeu-lhe nestes termos, que foram as últimas palavras que lhe dirigiu em vida: “Sid, há algumas coisas sobre as quais não temos controlo. Eu não posso abandonar. Tenho de continuar.” 

As últimas imagens que dele nos ficaram foram as da grelha de partida. Olhar perdido no vazio, como se já estivesse a entrar numa outra dimensão.

É claro que foi a pensar em Ayrton Senna que, numa tarde solarenga de final de Agosto, me dirigi ao Autódromo Enzo e Dino Ferrari, em Imola. Queria fazer o circuito a pé até Tamburello, que não ficava assim tão longe da entrada…

Mas não me deixaram passar das bancadas. Tive de chegar a Tamburello através do Parque de Acque Minerale, que fica no interior do circuito. Aí, no preciso local onde se deu o acidente, mas no lado oposto , está esta estátua de homenagem a Ayrton, na altura com um bonito ramo de flores no seu regaço, certamente gentileza de algum fã.

Fiz-lhe também a minha própria homenagem, e vim-me embora.


E porque Ayrton acreditava em Deus e na Vida para além da Morte, despeço-me dele  com estas breves palavras: 

“Repousa em Paz, meu Amigo. Diverte-te o que puderes, mas não faças muitos estragos aí por Cima… Imagino que já tenhas encontrado por aí o Fangio e, num carro alado de características idênticas para ambos, já tenham feito um tira-teimas acerca  daquela questão que, volta e meia, tanto nos vem à cabeça a nós, pobres mortais aqui em baixo: qual de vós foi o melhor piloto de todos os tempos…? Mas sabendo que o Fangio é um “gentleman” e que tu nem no Céu e a feijões gostas de perder, não me será muito difícil adivinhar a resposta...”

Texto e fotografias de Luís Miguel Mira.

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