Ayrton Senna morreu há 16 anos.
Lembro-me como se
fosse hoje. Era Domingo, Dia da Mãe, de Fórmula 1 e de Festa do 1º de Maio na
Alameda. Na altura, por esta ordem de importância, os Camaradas que me
perdoem…
Deu para ver tudo
em direto mas sem som, porque a almoço era em honra da minha Mãe e da Mãe das
minhas filhas.
Confesso que,
naquele momento, não fiquei demasiado inquieto.
Diziam que se
tinha visto Ayrton movimentar a cabeça, o que era bom sinal, e naquela
curva Tamburello já tinha assistido a acidentes muito mais espetaculares, como
o de Piquet em 1987 e o de Gerhard Berger em 1989, este último com direito a
incêndio, sem consequências físicas de extrema gravidade para os pilotos.
Mas a verdade é
que o fim de semana de Imola não estava a correr nada bem.
Nessa época de
1994 a FIA tinha introduzido novas regras impondo a retirada dos apoios
eletrónicos à condução e os carros estavam mais difíceis de guiar, tendo-se
Ayrton queixado disso mesmo a propósito do seu Williams- Renault F16. Nos
treinos livres de sexta-feira Rubinho Barrichello tinha voado de forma
espetacular contra as vedações na “chicane” que antecede a reta da meta e o
austríaco Roland Retzemberger também tinha sofrido um grave acidente nos
treinos cronometrados da véspera, acabando por falecer...
Mas eu não podia
passar o Dia da Mãe agarrado à televisão e lembro-me de a ter apagado de vez,
convencido que Ayrton teria saído muito mal tratado do acidente, porventura com
graves lesões nas pernas, mas nada que me levasse sequer a sonhar com o que
viria a acontecer.
Voltei a ligar a
televisão para ver o final da corrida, com aquela cena muito triste de um
Michael Schumacher esfuziante a festejar no pódio, como se aquele tivesse sido
um fim de semana igual a todos os outros… Mas de Senna não havia mais notícias…
Cerca de uma hora
depois, quando me preparava para estacionar o carro na Barão de Sabrosa para ir
ter com o meu Amigo Hugo que, como era habitual, estava de serviço às febras na
Alameda, na tenda do Sindicato, a terrível notícia chegou-me via rádio pela voz
de uma locutora brasileira: Ayrton Senna tinha acabado de falecer no Hospital
de Bolonha. Um cabo da suspensão do seu Williams atravessou o capacete e
perfurou-lhe o cérebro, veio a saber-se mais tarde.
E essa
Festa na Alameda já não foi como outras...
Por ironia do
destino, poucos meses antes tinha estado perto de Ayrton Senna. A
Williams-Renault tinha vindo treinar ao Autódromo do Estoril no início do ano e
eu, que por essa altura já tinha honras de Comité de Direção da Fábrica, meti
uma cunha e consegui um convite da Direção Geral para espreitar parte
desses treinos. Com rigorosas instruções para não entrarmos nas “boxes”, não falarmos
com ninguém nem perturbarmos o trabalho da equipa, que eles no final viriam
trocar algumas palavras connosco. Ayrton Senna não apareceu…
Apenas um sinal
da sua personalidade, que não era, de facto, de grandes simpatias. E se era,
não as exteriorizava facilmente. Sempre muito sério, tinha aquele ar de que “todos
lhe devem e ninguém lhe paga”…
Ao início não
nutria, de facto, grande simpatia por Ayrton Senna. Preferia-lhe, de longe, o
compatriota Nelsinho Piquet.
Pareciam ser a
antítese um do outro. Nelson Piquet sempre sorridente, brincalhão e disposto a
largar uma piada, por vezes até de mau gostou como quando uma vez deixou sair
boca fora “Ayrton não gosta de mulher…!”. O outro
vingou-se, enrolando-se com a Xuxa e dando a entender que já tinha feito o
mesmo com a mulher de Nelson… Enfim, o lado anedótico e menos saudável da F1…
Mas o que Nelson
Piquet não fez, ao contrário do que constou, foi bloquear a entrada de Ayrton
na Brabham, em 1984. Foi o patrocinador de então, a Parmalat, que deu
preferência a um italiano, Teo Fabi.
Já Ayrton não se
pode gabar do mesmo, porque veio a saber-se que tinha vetado a entrada de Derek
Warwick na Lotus em 1986, com o argumento de que a equipa não tinha condições
para disponibilizar duas viaturas competitivas a dois pilotos distintos.
Mas simpatias à
parte, rapidamente me apercebi das enormes qualidades de Ayrton.
No seu ano de
estreia na F1 fez milagres com um pouco competitivo Toleman-Hart e parece-me
que ainda estou a vê-lo no Mónaco em 1984, seu ano de estreia na F1, sob chuva
torrencial, a sair da 7ª fila, a passar por todos os que estavam à sua
frente e a começar a morder os calcanhares ao “leader” Prost, que cada
vez que passava pela meta e via a distância entre ambos encurtar-se,
esbracejava para que a Direcção da Corrida a desse por finda. Jacky Ickx, o
Director, fez-lhe a vontade à 31ª volta e impediu uma vitória mais do que certa
de Ayrton Senna.
Mas haveria de
voltar-se o feitiço contra o feiticeiro. Nessa época de 1984 Prost perdeu
o Campeonato para Niki Lauda por meio ponto… Se tivesse chegado ao final da
corrida do Mónaco em 2º lugar teria obtido 6 pontos, mais dois do que os 4 que
obteve com a corrida encurtada e os pontos reduzidos a metade. O suficiente
para ser campeão do Mundo nesse ano...
Foi
verdadeiramente aí, nessa tarde chuva, que Ayrton começou a dar das
vistas e nunca mais pararia de se evidenciar.
No ano seguinte
passaria para a pouco competitiva Lotus, primeiro com as bonitas cores da John
Player Special, e depois com o amarelo da Camel. Por lá andou durante três
épocas, fazendo milagres com o fraco material que tinha à disposição e ganhando
6 Grandes Prémios (o primeiro dos quais em 1985 no Estoril, outra vez debaixo
de chuva torrencial…) e fazendo 16 “poles”. No terceiro e
último ano, com um carro um pouco mais competitivo, ameaçou os lideres Piquet e
Mansell até à reta final do campeonato.
Em 1988 passou
para a McLaren e outro galo cantou: 3 Campeonatos do Mundo, 35 vitórias
em Grandes Prémios e 46 “pole positions”, nos 6 anos em que por lá andou.
Em 1994, quando
ingressou na “minha” Williams Renault, eu até já estava reconciliado com ele e
não tinha dúvidas de que era o melhor piloto de todos quantos tinha visto na
minha vida, e até hoje não mudei de opinião.
Outros
(Schumacher, Hamilton, Vettel e Prost) ganharam mais corridas do que Senna, mas
com material claramente superior ao da concorrência. E em número de “poles”
Senna surge apenas em terceiro, mas com uma percentagem (40%) superior a
Schumacher (22%), que está em segundo, e a Hamilton (35%), que está em
primeiro.
Mas 1994 começou
mal. “Poles” em todas as corridas, mas as duas primeiras acabadas fora da pista
e uma distância de 16 pontos para o rival Schumacher.
Em Imola, naquele
fim-de-semana de finais de Abril e início de Maio, Senna estava tenso.
Nas suas memórias
o Prof. Sid Watkins, médico oficial da F1 durante muitos anos, conta que tinha
visto Senna chorar no sábado, ao saber da morte de Ratzenberger, e na manhã do
próprio dia da corrida, durante o minuto de silêncio que teve lugar no
“briefing” dos pilotos.
A verdade é que
Senna nunca tinha lidado tão de perto com a morte durante os anos em que esteve
na Formula 1. A última morte em corridas havia sido a de Ricardo Paletti,
na largada do GP do Canadá de 1982, ainda Senna não tinha chegado à F1.
Vendo-o
transtornado, Sid Watkins aconselhou-o a não correr nesse fim de semana, e até
a parar durante uns tempos… Mas Senna respondeu-lhe nestes termos, que foram as
últimas palavras que lhe dirigiu em vida: “Sid, há algumas coisas sobre as
quais não temos controlo. Eu não posso abandonar. Tenho de continuar.”
As últimas
imagens que dele nos ficaram foram as da grelha de partida. Olhar perdido no
vazio, como se já estivesse a entrar numa outra dimensão.
É claro que foi a
pensar em Ayrton Senna que, numa tarde solarenga de final de Agosto, me dirigi
ao Autódromo Enzo e Dino Ferrari, em Imola. Queria fazer o circuito a pé até
Tamburello, que não ficava assim tão longe da entrada…
Mas não me
deixaram passar das bancadas. Tive de chegar a Tamburello através do Parque de
Acque Minerale, que fica no interior do circuito. Aí, no preciso local onde se
deu o acidente, mas no lado oposto , está esta estátua de homenagem a Ayrton,
na altura com um bonito ramo de flores no seu regaço, certamente gentileza de
algum fã.
Fiz-lhe também a
minha própria homenagem, e vim-me embora.
E porque Ayrton
acreditava em Deus e na Vida para além da Morte, despeço-me dele com estas
breves palavras:
“Repousa em
Paz, meu Amigo. Diverte-te o que puderes, mas não faças muitos estragos aí por
Cima… Imagino que já tenhas encontrado por aí o Fangio e, num carro alado de
características idênticas para ambos, já tenham feito um tira-teimas
acerca daquela questão que, volta e meia, tanto nos vem à cabeça a nós,
pobres mortais aqui em baixo: qual de vós foi o melhor piloto de todos os
tempos…? Mas sabendo que o Fangio é um “gentleman” e que tu nem no Céu e a
feijões gostas de perder, não me será muito difícil adivinhar a resposta...”
Texto e fotografias de Luís Miguel Mira.
Texto e fotografias de Luís Miguel Mira.
Sem comentários:
Enviar um comentário