Este não é o dia seguinte
do dia que foi ontem.
João Bénard da Costa
Será um desfilar de
histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias,
figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação
do dia, mês, ano em que aconteceram.
História como a que hoje trazemos também
pode pertencer a um Viagem por Abril.
24 de Fevereiro de 1965.
Estádio da Luz, jogo da 1ª mão dos quartos-de-final
da Taça dos Campeões Europeus.
Benfica 5 - Real Madrid 1.
No dia seguinte o Mundo Desportivo
titulava a toda a largura da 1ª página: «O “Vale dos Caídos” mudou-se para
Lisboa.»
Portugal e Espanha viviam em ditadura.
Em
Portugal, a leitura do título teve leituras várias, dependendo dos olhos que o
leram. Ainda recorda a satisfação do avô, benfiquista e republicano histórico”,
a entrar em casa, o jornal na mão, com os olhos brilhantes de satisfação. E o
motivo não era apenas a vitória do Benfica…
A crónica do jogo abria assim:
«Não foi realmente a batalha de Aljubarrota. Nem tão pouco a de Valverde, ou
qualquer outra em que os espanhóis e os portugueses tivessem escrito páginas
gloriosas da sua história. Mas foi bonito assistir-se à vitória do futebol
sobre o do Real Madrid.»
Mas o que fez explodir Franco foi o título, ao fazer a associação com o
monumento que, nos arredores, de Madrid glorifica os mortos franquistas da
Guerra Civil Espanhola, os nossos vizinhos entenderam que se tinha ido longe
demais. Recorde-se que o monumento apenas pretende recordar uma parte dos
espanhóis mortos durante a Guerra Civil
Protesto veemente e Salazar teve que encontrar, em nome da defesa da boa
harmonia entre as duas ditaduras, uma reparação.
Num ápice despediram o jornalista José
Valente e o Mundo Desportivo só reapareceu ao público oito dias depois,
falhando duas edições. Naquele tempo os jornais desportivos eram
trissemanários.
No dia 5 de Março, quando o jornal voltou a ser publicado, lia-se na 1ª página:
«A Empresa Nacional de Publicidade e o director do Mundo Desportivo
lamentam e repudiam as expressões contidas numa crónica inserida neste jornal e
que muito feriram a sensibilidade dos seus leitores. Ao autor da referida
crónica, chefe de redacção do Mundo Desportivo, único e total
responsável pelo escrito que veio a público, foram aplicadas as sanções que o
caso requeria.»
Deste modo, a paz podre da união Ibérica podia prosseguir os seus caminhos. Pelo lado que nos toca, esse caminho foi interrompido no dia 25 de Abril de 1974.
Ainda uma nota de rodapé: naquele tempo, no futebol apenas era permitida uma
substituição – a do guarda-redes.
Sabem quem era o guarda-redes suplente do Real
Madrid?
Nada mais que o cantante-machucador-de-corações
Júlio Iglésias.
Anos mais tarde, o jornalista Neves de Sousa escreverá no semanário Sete um
divertida crónica que pode ser recordada aqui.
4 comentários:
Ó Sammy, rectifique-me por favor se estiver a salientar alguma inverdade e acrescentar que, paradoxalmente, o Sport Lisboa e Benfica era o clube do regime.
Caríssimo Sammy permita-me ainda esta rectificação - creio que nesse jogo o Júlio Iglesias, que era realmente Guarda Redes do Real Madrid, mas neste jogo não terá sido o titular.
O cantante era um suplente habitual.
Tem toda a razão, caro Seve.
o Júlio Igléwsias era o guarda-redes suplente do Real Madrid.
Rectificação já feita, assim como já poderá ler a crónicaa do Neves de Sousa, publicada no semanário «Sete» e que não estava devidamente localizada para ser lida.
Quanto ao Benfica ser um clube do regime não lhe posso claramente dizer que sim nem que não. Sempre o entendi como um clube popular e por lá, como nos restantes clubes, havia de tudo desde salazaristas a democratas.
Estou de acordo -o Benfica será talvez um clube mais popular, o Sporting talvez mais elitista, mas como diz e muito bem há em todos os clubes gente de todos os credos, defeitos, virtudes e feitios.
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