terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

VIAGENS POR ABRIL


Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                         João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.

História como a que hoje trazemos também pode pertencer a um Viagem por Abril.

24 de Fevereiro de 1965.

Estádio da Luz, jogo da 1ª mão dos quartos-de-final da Taça dos Campeões Europeus.

Benfica 5 -  Real Madrid 1.

No  dia seguinte o Mundo Desportivo titulava a toda a largura da 1ª página: «O “Vale dos Caídos” mudou-se para Lisboa.»

 Portugal e Espanha viviam em ditadura.

 Em Portugal, a leitura do título teve leituras várias, dependendo dos olhos que o leram. Ainda recorda a satisfação do avô, benfiquista e republicano histórico”, a entrar em casa, o jornal na mão, com os olhos brilhantes de satisfação. E o motivo não era apenas a vitória do Benfica…
A crónica do jogo abria assim:
«Não foi realmente a batalha de Aljubarrota. Nem tão pouco a de Valverde, ou qualquer outra em que os espanhóis e os portugueses tivessem escrito páginas gloriosas da sua história. Mas foi bonito assistir-se à vitória do futebol sobre o do Real Madrid.»
Mas o que fez explodir Franco foi o título, ao fazer a associação com o monumento que, nos arredores, de Madrid glorifica os mortos franquistas da Guerra Civil Espanhola, os nossos vizinhos entenderam que se tinha ido longe demais. Recorde-se que o monumento apenas pretende recordar uma parte dos espanhóis mortos durante a Guerra Civil
Protesto veemente e Salazar teve que encontrar, em nome da defesa da boa harmonia entre as duas ditaduras, uma reparação.

Num ápice despediram o jornalista José Valente e o Mundo Desportivo só reapareceu ao público oito dias depois, falhando duas edições. Naquele tempo os jornais desportivos eram trissemanários.
No dia 5 de Março, quando o jornal voltou a ser publicado, lia-se na 1ª página:
«A Empresa Nacional de Publicidade e o director do Mundo Desportivo lamentam e repudiam as expressões contidas numa crónica inserida neste jornal e que muito feriram a sensibilidade dos seus leitores. Ao autor da referida crónica, chefe de redacção do Mundo Desportivo, único e total responsável pelo escrito que veio a público, foram aplicadas as sanções que o caso requeria.»

Deste modo, a paz podre da união Ibérica podia prosseguir os seus caminhos. Pelo lado que nos toca, esse caminho foi interrompido no dia 25 de Abril de 1974.


Ainda uma nota de rodapé: naquele tempo, no futebol apenas era permitida uma substituição – a do guarda-redes.

Sabem quem era o guarda-redes suplente do Real Madrid?

Nada mais que o cantante-machucador-de-corações Júlio Iglésias.
Anos mais tarde, o jornalista Neves de Sousa escreverá no semanário Sete um divertida crónica que pode ser recordada aqui.

4 comentários:

Seve disse...

Ó Sammy, rectifique-me por favor se estiver a salientar alguma inverdade e acrescentar que, paradoxalmente, o Sport Lisboa e Benfica era o clube do regime.

Seve disse...

Caríssimo Sammy permita-me ainda esta rectificação - creio que nesse jogo o Júlio Iglesias, que era realmente Guarda Redes do Real Madrid, mas neste jogo não terá sido o titular.
O cantante era um suplente habitual.

Sammy, o paquete disse...

Tem toda a razão, caro Seve.
o Júlio Igléwsias era o guarda-redes suplente do Real Madrid.
Rectificação já feita, assim como já poderá ler a crónicaa do Neves de Sousa, publicada no semanário «Sete» e que não estava devidamente localizada para ser lida.

Quanto ao Benfica ser um clube do regime não lhe posso claramente dizer que sim nem que não. Sempre o entendi como um clube popular e por lá, como nos restantes clubes, havia de tudo desde salazaristas a democratas.

Seve disse...

Estou de acordo -o Benfica será talvez um clube mais popular, o Sporting talvez mais elitista, mas como diz e muito bem há em todos os clubes gente de todos os credos, defeitos, virtudes e feitios.