quinta-feira, 4 de março de 2021

RECANTO 12


Vinha    do outro lado do tempo    do inverno seguinte

um ruído rápido e ao mesmo tempo, assim parecia,

anfíbio

como alguém em trânsito para o seu mar

ao sair do emprego, e o instrumento

sol-terra-lua-homem-mulher-puta-que-vos-pariu-deus-vos-abencoe-

-etecetera-amén-

a buzinar-lhe aos ouvidos

 

e de vertiginosa a roda um instrumento a mais

em potência de tortura passou imediatamente a ser

útil vertiginosa indispensável

porque é uma roda e só por isso

porque tudo segue o mesmo percurso e no mesmo tempo

e na mesma roda de espaço que nós em tudo

e só por isso

quando a caixa toráxica passa a ser de metal

por assimilação

e de plástico por fora e roda no corpo

e só no sexo o circuito é uma onda fundente

liquidamentamante

lemos  o   capítulo   do sangue

quando em transe se descarrega como a campainha

de que as palavras são o toque e os silêncios

o clarão da música.

 

Assim se fala, ouvem-se telefones, como possuídos

por outrém

de que as palavras se chamassem fala

e o terror ventriloquia.

Luiza Neto Jorge

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