sábado, 11 de abril de 2020

DIÁRIO DOS DIAS DIFÍCEIS




Sábado de Aleluia.

Hoje, pela manhã, teria sido o tempo de ir a um supermercado comprar, para os netos, um coelho grande de chocolate, com surpresa, e gomas.

Mas pronto!, o tal vírus deu cabo do almoço de Páscoa, deu cabo do festival chocolateiro.

Claro, que havemos todos de nos vingar destas tropelias, que palavra tão suave, deste maldito, outra palavra suave, coronavírus.

A festa chocolateira não é só dos netos.

Chocolatedependente que sou, a posição primeira na grelha de partida, é minha.

Doce dependência, com o pormenor-escândalo-da-família, de que não se contenta, logo que a tablete é aberta, em comer um quadradinho, ficar a saboreá-lo de olhos fechados, enquanto se derrete na boca. 

Não!Tabelete aberta, tablete consumida.

O resto, bom o resto logo se vê e aguardar as palavras do costume do médico de família quando olha as análises deste emocionalmente desequilibrado portador de angústias chocolateiras.

Talvez tenha lido, não tem a certeza, que sem um toque de loucura não existem homens sensatos.

Mas de onde lhe vem o grito delicioso do chocolate?

Como quase tudo, terá que ir à infância

Já contei isto, mas continuemos.

A caminho do Liceu Gil Vicente, na Graça, também para a casa da avó paterna na Rua Senhora do Monte, percorria toda a Rua da Penha de França, chegava a Sapadores, e aí estava a Fábrica de Chocolates Favorita e, neste ponto, socorre-se de Mário de Carvalho porque conta melhor do que alguma vez posso contar:

«Voltemos ao volutpuoso aroma de chocolate que descia por sobre o bairro e impregnava os ares, as casas, as roupas e nos punha logo bem dispostos, na nossa meninice voraz de guloseimas caras. Provinha ele da Fábrica Favorita que levantava na outra esquina, a sua arquitectura graciosa e robusta, mesmo ao lado de um jardim esconso e sombrio em que ficava a casa do arquitecto Raul Lino. Nos anos oitenta do século vinte, por contingências do mercado ou por gestão trapalhona, a velha Favorita fechou e ficou  para ali, abandonada. Aquela atmosfera adocicada e benigna dilui-se tristemente nas alturas e o bairro foi invadido pelos odores banais de Lisboa. Se não fosse a variação dos ventos, pesaria ali a fumarada dos escapes e outros eflúvios maléficos…
Na Lisboa tristonha e pobre desses tempos eram estes pequenos milagres que alegravam a nossa infância e deixaram um sorriso na memória.»

Guardo o cheiro a chocolate e também lembro, com uma nitidez deveras melancólica, os operários de ganga azul, as operárias de bata branca, a descerem a rampa para irem almoçar.

Ou almoçavam no refeitório e depois saíam para irem beber café nas pastelarias em redor, certamente a «A Mimosa da Graça»?

Este pormenor não consigo clarificar, mas o que lembro são os operários, elas de bata branca, eles de ganga azul.

Depois chegaria ao poema de Álvaro Campos:

«Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso, e ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida!»

Há também Chocolate um delicioso filme de Lasse Hallstrom, um conto de fadas maravilhoso pelos chocolates mas também – e não é aspecto de somenos – pela Juliette Binoche.

Li,  já não lembro onde, que é um filme para comer com os olhos.

E ficamos assim.

Amanhã é Domingo de Páscoa.
No meio da quarentena, eu e a Aida, teremos um almoço virtual em que um coelho de chocolate, imaginariamente, será partilhado com os cinco netos.

Os sonhos são assim mesmo.

Ah!, o  Tom Hanks, na pele de Forresr Gump, sentado num banco à espera de um autocarro diz:

 «A vida é como uma caixa de bombons. Nunca sabemos o que nos espera…»



Mas fiquem a saber que há poucos problemas que um chocolate não possa resolver.

A música deste sábado de Páscoa , não poderia deixar de ser a  Hallelujah do Messias de Handel.


1.

A Suécia já registou mais de 10 mil casos de pessoas infetadas com o novo coronavírus, num país que tem uma população de cerca de 10 milhões de pessoas. Ao todo, 887 infetados já morreram de Covid-19.

«A nossa preparação não foi boa o suficiente e isso é evidente para todos, em vários aspectos».

Em termos concretos, Löfven não quis responsabilizar os suecos pelos números elevados de infectados e mortes por Covid-19 que se têm registado no país, que adoptou uma estratégia de imunidade de grupo, em contra-corrente com  o resto do mundo. O primeiro-ministro considerou que a maioria dos cidadãos seguiu as recomendações das autoridades, mas admitiu a possibilidade de fechar alguns restaurantes que não estejam a cumprir as regras: 

«Há aqueles que não as seguem, não compreendem ou não querem saber da gravidade da situação e aí teremos de colocar as luvas e passar à acção».

2.

O atelier da artista Joana Vasconcelos, em Lisboa, anunciou que encerrou portas, "pela primeira vez em 25 anos", devido à pandemia de covid-19, e abriu um processo de 'lay-off' para cerca de 50 trabalhadores.

3.

O grupo Estoril Sol explica que decidiu aplicar o 'lay-off' simplicado, com a suspensão temporária dos contratos de trabalho ou a redução dos tempos de trabalho da grande maioria dos trabalhadores.

O grupo Estoril Sol detém casinos no Estoril, em Lisboa e na Póvoa de Varzim, e todos estão encerrados desde 14 de março.

4.

Com a leitura mais atenta de toda a papelada, os especialistas vão ficando com a ideia de que o acordo do Eurogrupo deixa mais dúvidas que certezas.

5.

«O vírus mata portugueses. E mata a economia. Matará o conhecimento se deixarmos que mate o livro. Livro e leitura são a mais sólida forma de adquirirmos saber, ciência e identidade. Mas as livrarias fecharam e os editores não publicam.»

Manuel S. Fonseca

2 comentários:

Seve disse...

O conhecimento já há muito que está morto em Portugal-mas quem é que em Portugal lê livros?

Sammy, o paquete disse...

Mas ainda somos uma larga minoria, apesar de tudo...
Não sou rapaz de desistir facilmente, mas com três netos na família, entre os 11 e os 16 anos, vou reconhecendo que os meus argumentos para enaltecer a importância da leitura,permanecem incipientes e esbarram nessa parafernália de tecnologias que a globalização - ou lá o que foi - nos trouxe.
Gosto em voltar a vê-lo por aqui, caro Seve.